Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
Para o Milhas a responsabilidade era enorme: o “sogro” tinha financiado a inscrição, após o seu pedido, no Torneio de Futebol de 5 do Pimenta, que iria decorrer no pavilhão do Clube Desportivo de Paço de Arcos e para ele só havia um objectivo, oferecer a taça ao Galego. Passaria a comer lagosta ao pequeno-almoço, santola a meio do dia e camarão ao deitar. A primeira medida que tomou foi auto-nomear-se capitão da equipa e contratar o Capitão para adjunto. O treino inaugural foi marcado para as 8 horas de uma segunda-feira num campo lavrado e inclinado, no Alto de Paço de Arcos. Por volta das 12 horas iniciou-se a sessão com o número mínimo de atletas, os madrugadores, e incluiu o João Gordo que ia a passar, vindo directamente de um bar de Cascais. O Milhas começou por transmitir o seu desagrado quanto à assiduidade e ameaçou despedir todos os presentes se tornassem a não cumprir o horário imposto.
- Já pagaste a inscrição, – disse o Chico Sá, o ponta-de-lança mais dorminhoco da região que mantinha uma estranha dieta desportiva, borrachas escolares.
Foi assim retirada a ameaça de despedimento colectivo, pois o Milhas arriscava-se a não ter equipa para representar o estabelecimento do “sogro”. Deu início à actividade, entregando a tarefa ao adjunto, que nem teve tempo para dar a apitadela, pois a equipa do Estudante Focas já ia a meio da ladeira, em situação de contra-ataque, enquanto que a bola tinha acabado de entrar na aldeia da Terrugem e os filhos do Manelinho do estrume, assessorados pelo Ánhuca, preparavam-se para gamá-la. Só desistiram da ideia quando viram uma chuva de calhaus a aproximar-se das suas cabeças. O treino acabou, as equipas estavam na parte debaixo do campo, no vale, e recusavam-se a subir. Aliás, já não havia quórum, o João Gordo tinha aproveitado o balanço da descida e fugira para casa da tia.
Quando o torneio começou a equipa estava na máxima força, o Charlot tinha sido o guarda-redes seleccionado, devido às suas 10 diopetrias, a Becas era a enfermeira e o Capitão estava sentado com a braçadeira de Treinador. O resto estava ao balcão do bar a atestar-se de bejecas. O Milhas nem queria acreditar quando o árbitro deu inicio ao jogo. Estava ele e o guarda-redes!
- O que é que o meu sogro vai pensar, – gritou, dando ordens ao adjunto para ir buscar o resto da equipa.
Quando a equipa adversária já estava a ganhar doze a zero, o árbitro interrompeu o jogo e advertiu o Charlot de que não podia estar de costas, mesmo estando a ser muito mais eficaz nessa posição. O guarda-redes ainda tentou explicar que era uma forma de protesto por os colegas estarem a render pouco, mas a ameaça de expulsão fê-lo mudar de atitude. Entraram mais seis golos sem resposta. Quanto ao Milhas, saiu do pavilhão à beira de um ataque de nervos e marcou um treino para as oito horas do dia seguinte. Nem o Capitão apareceu. Com as estrondosas derrotas seguintes, a equipa foi ganhando fama e enchendo o pavilhão, até que o Chinoca num dos jogos tropeçou na bola e enfiou-a na baliza da equipa adversária. Foi a apoteose final, todos se levantaram. A fama da equipa de Futebol de 5 do galego ultrapassou as fronteiras da vila e a Taça de Bom Comportamento, a maior, foi levada em braços pela equipa do capitão Milhas, que continuou a protestar e a marcar treinos punitivos para as oito da manhã. Mas o azar continuou a bater-lhe à porta: ganhou a Lotaria!
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