Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Através destas estórias ouve-se o
respirar do colégio, assim como o vento e a luz, que são cúmplices da nossa
passagem sobre o espaço. Na aula de Desenho o Pina Lopes dava um
conselho ao Coiote:
- Jovem, a primeira coisa a
aprender nesta disciplina é a afiar um lápis. Como futuro militar, se marcares
o alvo num mapa com o lápis rombo, as bombas caiem ao lado.
Além da teoria havia a prática na
Tapada de Mafra, por isso a primeira tarefa da patrulha número quatro, 21, 176,
204, 230, 236, 239, 267, 303 e 502 consistiu em armar as tendas, seguindo os
procedimentos militares. Até que uma cavilha resistiu ao embate do calhau e
teimou em não entrar.
- Dá cá a espingarda, - pediu o
239.
Agarrou-a pelo cano e martelou a
espia com a parte reforçada da coronha.
- Pareces uma menina, - gritou o
230, tirando a Mauser das mãos do 176.
Cobriu o ferro com uma parte da
lona da tenda, ergueu a espingarda, e martelou impiedosamente a cavilha, mas
desta vez com a face esquerda de madeira. A fúria apoderou-se do operário
quando se apercebeu que nem assim conseguia enterrar a dita. Aumentou o ritmo,
até que:
CRRRRRRR
Coronha para obras! Silêncio sepulcral,
todos a olharem para a racha da arma. Optou-se por enrolar o “ferido” numa
manta, até se decidir o que fazer com ele. Só após o toque de recolher é que se
reuniu a patrulha, com uma lanterna, para encontrar uma solução para a Mauser.
- Tem de regressar intacta ao
Colégio senão o capitão dá cabo de nós.
A lanterna contribuiu com um
parafuso, que foi colocado, com o auxílio de duas chaves de fendas, na coronha.
- Não chega, precisamos de
pregos.
- Sem cabeça!
O material estava nas botas de
atanado. Três tornaram a coronha hirta como uma barra de ferro. Mas a ferida
continuava visível. O terreno lamacento de Mafra providenciou o betume que
tapou a racha. A Mauser foi colocada uma semana depois no armeiro, perante o
olhar atento do oficial, que não colocou nenhuma objeção.
Havia também os dias especiais
como o da condecoração do 33, que iria receber a medalha da Ordem Militar da
Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com o grau de Gande-Oficial. Como
tinha sido impossível recebe-la no dia 10 de junho, por se encontrar ausente da
Metrópole, e necessitava de estar perante dois batalhões, no mínimo, exigiu
receber a insígnia no Colégio Militar. Teve como testemunhas o Batalhão
Colegial, uma companhia de Cavalaria 7, uma Companhia de Lanceiros 2, e uma
representação de Comandos Africanos da Guiné, os célebres “Flechas Negras”.
Porque ia ter um papel muito importante no desfile do dia seguinte, o Maná
aproveitou a noite quente de outubro de 1973 e ausentou-se com uns amigos do
colégio. De regresso viram que o campo de futebol de 11 estava repleto de
bandeiras nacionais hasteadas e só relaxaram na piscina quando as arrearam. Por
estes lados já tinham andado outros artistas, que preferiram entrar no ginásio,
juntar colchões posicionar uns quantos plintos e fazerem tarzans com as cordas. Para os Meninos da Luz esta festa revelou-se
a maior seca de todos os tempos, pois tiveram de estar toda a manhã debaixo de
um sol abrasador, a fazer “apresentação arma” de cada vez que chegava um
convidado, e eles pareciam não ter fim. E ainda por cima o presidente Américo
resolveu chegar atrasado, talvez devido a uma mudança de fralda imprevista.
Nesta estória o responsável por marcar a cadência será o Maná, por ser o
“primeiro da direita que comandava a escolta à bandeira” (palavras do próprio),
apesar de já haver uns certos indícios de confusão, próprios da idade avançada,
nos Meninos da Luz que participaram no fórum cujo tema foi precisamente este
acontecimento do século passado.
Quando finalmente o Thomaz
chegou, todos respiraram de alívio, ia dar-se início à festa em honra do 33. A
cadência era cada vez mais lenta, dir-se-ia que o Maná estava a acusar o
esforço feito na noite anterior, e ia lentamente adormecendo. Os pretos do 33
pareciam os artistas do posto fronteiriço de Wagah, que separa a
Índia do Paquistão, e com o ritmo do 78 estiveram constantemente a travar,
marcando passo.
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