Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O diretor do Colégio Militar discursava com eloquência
para o curso de ex-alunos que visitava com “saudade” o Colégio Militar, quando
as portas do Salão Nobre se abriram de
rompante e, tal como um dos Gafanhotos do Dario, o Girafa entrou às
cambalhotas. Mas não é de cambalhotas destas que se vai falar nesta estória!
“Senhora Directora deveria ter uma dor tão grande, que quando mais corresse
mais doesse e quando parasse rebentasse”.
A chefe máxima das Meninas de Odivelas nem queria acreditar no que lia. Alguém tinha colado um
papel na porta, juntamente com uma forca em miniatura. Entrou furiosa no
gabinete e deu de caras com um marsápio em loiça das Caldas da Rainha, que a
convidava, em sentido, para o pecado, em cima da secretária. Mas havia mais: 50
papéis com exigências tinham sido estrategicamente espalhados pelo espaço
educativo, onde se albergavam as Meninas de Odivelas, eternas musas dos
cavaleiros do Colégio Militar. E para provar que tinham estado lá, conforme
combinado, os Meninos da Luz escreveram os seus números num dos cantos da
piscina: 89, 165 e 376! Recuemos.
Eram 21 horas de uma noite quente de junho quando três vultos vestidos com
fato de treino, sapatilhas e capote passaram pela cerca de arame junto à pista
de aeromodelismo e seguiram rumo à segunda circular, onde os esperava um táxi,
previamente combinado. O plano iria ser cumprido à risca, cada Menino da Luz
levava um pedaço de corda, vários panfletos imprimidos no colégio e uma obra de
arte comprada durante uma visita de estudo. Tinham recebido das cúmplices um
mapa detalhado do terreno das operações e quais as portas estrategicamente
destrancadas. Levavam também uns bifes, e um frasco com éter desviado do
botequim do Valentim. Foram deixados num descampado, onde se dirigiram à árvore
assinalada no mapa, desenhado com muito amor pelas amigas enclausuradas, ataram
os pedaços de cordas que traziam, e passaram tranquilamente o muro da quinta.
Esconderam-se dos canídeos num buraco e aguardaram. O líquido trazido da
enfermaria poderia ser usado em duas situações extremas: se o Diniz e a Isabel
os detetassem, despejavam-no sobre os bifes; ou caso o camarada Punhetas
tivesse uma recaída e resolvesse desviar-se do objectivo da missão e ir uivar
para uma das camaratas, despejavam-no pelas suas calças abaixo. Dos canídeos
nem sinal, o silêncio era total.
Às vinte e duas horas e trinta minutos do dia nove de junho do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil novecentos e sessenta e nove
deu-se início à mais extraordinária aventura alguma vez protagonizada por
Meninos da Luz e Meninas de Odivelas, numa simbiose passada da teoria à
prática, que passará, a partir deste momento, de neurónios efémeros para o Éter
eterno. O 89, o 165 e o 376 rastejaram cautelosamente até ao edifício, e
dirigiram-se depois à porta assinalada. Rodaram o trinco, e esta abriu-se.
Tinham acabado de entrar no espaço que fazia parte dos sonhos de muitos
camaradas, que à distância faziam ranger as camas.
- Onde é que elas estão? – Perguntou de rajada o 376, quebrando o silêncio
sepulcral do mosteiro.
O 165 tirou de imediato o frasco do bolso.
- A nossa missão é só uma, temos pouco tempo, o táxi está à espera, -
alertou o 89.
Dirigiram-se ao gabinete da Diretora, pelo caminho foram colocando
estrategicamente os panfletos com as reivindicações das suas musas, espetaram
com raiva a forca na porta, colaram a carta e depositaram gentilmente o
magnífico cacete em loiça das Caldas da Rainha, sinal de que a visita de estudo
uns meses antes iria ficar para sempre gravada na memória destes adolescentes.
Assim como chegaram, furtivamente se escapuliram. O dinheiro só deu para metade
do percurso de regresso, tendo feito o resto a pé. Quando passaram de novo a
rede, o relógio da Igreja da Luz tocava as doze badaladas.
No dia dez de junho do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
novecentos e setenta e um houve duas formaturas, à mesma hora, em locais
distintos da capital, os Meninos da Luz preparavam-se para o desfile do Dia da
Raça, enquanto as Meninas de Odivelas eram confrontadas com o conteúdo de
cinquenta panfletos espalhados pelo internato:
“Exigimos que as bananas nos sejam servidas inteiras e não cortadas como
habitualmente, e queremos que nos autorizem a trazer canetas de filtro grossas
pois as finas só servem para a aula de Desenho.”
Ficou assim provado que o lema “Um por Todos, Todos por Um”, não era
exclusivo dos Meninos da Luz, mas também fazia parte do código genético das
Meninas de Odivelas. Ficaram privadas do fim-de-semana, e nem a PIDE nem a
Polícia Judiciária conseguiram alguma vez descobrir o estranho caso do “Assalto
a Odivelas”, que também fora visitado pelo 275, o 440 e o 583 que, por falta de dinheiro para o táxi, fizeram o percurso de ida e volta em passo de corrida!
2 comments:
Adorei o texto, parabéns António!
Eh pah lindo.
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