Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Esta é uma estória que sussurra que todos os
gestos têm preços. O enfermeiro Valentim viu um aluno a entrar de rompante, e
pensou tratar-se de um primo do Sissé, mas quando se apercebeu que era um
caucasiano que trazia a boca em forma de ovo, gritou em voz alta:
- A Enfermaria não serve para tomar banho!
Mal ele sabia que o Chaminhas (475/77) trazia na
cara a energia que tinha saído das entranhas do Sherman que estava exposto na parada do Geral das Companhias. Tivera um encontro imediato com um céu laranja flamejante, seguido de
um azul em remoinho, ou seja, este Chaminhas, a que se seguiu outro Chaminhas
(475/86), um capricho do destino só possível no Colégio Militar, tivera a visão
do Inferno. Mas não foi um Sherman qualquer que despejou os seus gases
inflamados sobre a metade esquerda da cabeça do Chaminhas, o tanque fazia parte
de um lote raro (188) dos M4A1, conhecidos por “Grizzly”. Recuemos um pouco. O
graduado Nhó Nhó (128/71) nem queria acreditar no que via, a 1ª Companhia
estava formada no geral, e o 475 noutra onda, sentado a tentar acender um
fósforo, raspando nos mosaicos do chão. Até o castigo foi original, o Chaminhas
nº 1 não teve direito à clássica bordoada em sentido em frente aos colegas, mas
sim a ser pendurado pelos pés sobre uma das latrinas onde um formoso cagalhão
do Gordo espreitava pela borda:
- Se fazes esta gracinha outra vez, mergulhas
direto ao calhau do 459, que pelo tamanho vai ficar aqui vários meses.
Foi também durante uma formatura no mesmo local,
nove anos depois, que o Chaminhas nº 2 iniciou a sua carreira de incendiário,
que neste tempo era exclusiva de uns eleitos, mas que atualmente está em franca
expansão durante os meses de verão. Procedia-se a uma revista aos armários, coisa
rotineira no meio militar, quando o graduado responsável deu de caras com um
isqueiro:
- Mas para que é que este puto, que só está aqui
há dois dias, quer isto?
Dirigiu-se à formatura e questionou o 475 sobre a
necessidade daquele instrumento.
- Então não vês que a chama faz parte da alcunha
que o puto herdou – explicou o comandante da companhia, dando o caso como
encerrado.
E diz também outra lenda, que a marca da bota num
dos tetos duma das salas dos claustros tem um tamanho 39, e pertence a este Chaminhas,
arremessado durante uma das atividades da moda, os “Miolos ao Teto”.
No livro de registos do Colégio Militar há só uma
referência à entrada de Bombeiros, para apagar um fogo de origem desconhecida
que consumiu parte dum canavial, que existia nos anos setenta junto ao ginásio.
Os cronistas da época contam que este Chaminhas (o número um), queimou, nesta
ocasião, parte do cabelo, que encarapinhou. Este ato pirotécnico foi precedido
de muitos treinos no Monte Sinai, a elevação acima do campo de futebol,
resultante da acumulação das terras retiradas do local onde construíram o
Pavilhão de Ciências.
- A presença do 475 via-se à distância, os sinais
de fumo eram diários, - disse uma testemunha da época.
Para acabar em beleza esta história dos
Chaminhas, regressemos ao início, mas entrando por outra porta do passado: a
época de exames do ano lectivo 1978 / 79. Um dia quando o 475 (número 1)
regressava dos estudos, sentiu-se atraído misteriosamente pelo “Grizzly”, que
tinha a intimidade toda exposta às intempéries, desde que alguém lhe tirara a
tampa do depósito de combustível. Lá dentro um líquido convidava-o para o
pecado. Agarrou num ramo de uma árvore, tirou-lhe as folhas, e enterrou-o no
buraco do blindado, até “sentir” a ponta a mergulhar no líquido. Puxou o pau e
cheirou a ponta.
- É água.
Aproximou o olho esquerdo da abertura, para ver
com mais pormenor a intimidade do “Grizzly”, e atirou lá para dentro um fósforo
a arder.
VOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSH
As dioptrias salvaram-no, porque por causa delas
usava uns óculos estilo Clark Kent, coisa impensável nos dias de hoje em que a
rapaziada opta pelas lentes de contacto, para não traumatizarem. Este Chaminhas
viu o sol de frente a bater-lhe nas lentes, que o bronzeou, desde os olhos
até à nuca, principalmente no lado esquerdo, tendo permanecido em formato
baunilha e chocolate durante “vários anos” (sic). Teve direito a internamento,
a cabeça ligada, e a um telefonema para os pais:
- Minha senhora, fala da Enfermaria, vimos
informar que o seu filho, o aluno nº 475 encontra-se nestas instalações em
formato de conguito!
E porque a história também merece um pouco
de romance, esquecemos o facto do Chaminhas ser o "batalhãozinho". Por
causa de um currículo destes, o Colégio Militar deu-lhe a honra de inaugurar a chama
dos 175 anos, na Parada do Corpo de Alunos, com o Batalhão Colegial formado, e um ex-95 do tempo da monarquia a
acompanhá-lo.
3 comments:
Ia a história tão verídica, que nao precisava de descambar para a lenda no ultimo parágrafo! Endireitando-a: a chama foi inaugurada no 3 de Março pelo Chaminhas porque era o Batalhaozinho e nao porque tinha a fama. Mas a versão do post é mais romântica, claro.
Estas histórias são para irem sendo enriquecidas, pertencem a todos nós. Será feita a alteração..romanceando sempre !
Descobri por via do texto e décadas após que à época o meu cagalhão era afamadamente renitente!
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