Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Há muito, muito tempo, quando a instituição estava isolada na zona da Luz,
longe da capital, havia uma carrinha que diariamente recolhia os professores,
todos eles oficiais, e os levava ao Colégio Militar. A analogia com os veículos
que recolhiam os cães abandonados, deu assim origem a que os militares
passassem a ser designados por “cães”. E foi por causa de pontos de vista
diferentes dos dois canídeos mais importantes de 1962 na gestão de um
acontecimento único, que ficou para sempre grafitado nas almas de todo um
batalhão, até se tornar uma lenda, que nesta aventura irá peregrinar pelas
memórias que ainda circulam pelas veias de alguns, fazendo-nos sentir o espaço,
os outros somos nós. Esta é uma história alucinante e alucinada, em que só se
entra com uma escavadora, é uma brincadeira com genes cinematográficos de
Quentim Tarantino. E tudo começou quando o Salsicha resolveu pedir ao Rosinhas
para lhe ir fazer o teste de Fisico-Químicas, prometendo-lhe um saco com
Bolama. O contrato foi assinado de imediato, mas falhou por completo no dia
seguinte, quando o professor os descobriu:
- Ó moçooooo, mas tu agora mudaste a tromba?
- O que é que o stor quer dizer com isso?
- Oube lá ó mocinho, tu e o teu colega percebem tanto disto como o sapo tem
cabelo. Já viste algum? Ora aí tens, pensavam que me enganavam!
Não perderam pontinhos, porque estas mariquices só iriam aparecer doze anos
depois; não ficaram privados de um fim-de-semana, em que poderiam andar à solta
pelo espaço colegial, porque ainda não havia destas modernices. Foram diretos
para a prisão, trancados, sem apelo nem agravo, e para poderem ir à missa de domingos tinham de ir com escolta armada.
- Salsicha e Rosinhas fora do calouço, já ! - gritaram o Gato e o Carícias
do primeiro andar dos claustros, na altura em que o Diretor estava a entrar
para o bar no rés-do-chão.
À noite o 6º ano fez um levantamento de rancho, que teve a solidariedade
dos graduados no dia seguinte, e um “voluntariado obrigatório” do resto do
batalhão. Os Meninos da Luz estavam assim oficialmente em “Greve de Fome”, não
em solidariedade com o pessoal de Peniche, mas sim com os “antifascistas”
Salsicha e Rosinhas, que tinham ousado desafiar a ordem estabelecida pela
república: cada um era responsável pelo seu teste. Iriam depois os seus
descendentes ser compensados com “passagens administrativas” doze anos depois.
Continuemos! A fome apertava, não era só no Alentejo, os pais aproximaram-se um
dia da parede do Colégio Militar, e uma noite voaram bananas para a parada.
- Foi um diluvio de potássio nunca visto, - recorda-se um dos alunos.
Os que conseguiram alcançar a fruta, fizeram-na desaparecer pelos buracos
mais próximos, pois arriscavam-se a vê-la confiscada pelos responsáveis da
“Brigada Salsicha”, que as comiam às escondidas. O cerco apertava-se, o
sub-diretor Alcides optou por uma abordagem mais soft, mas quando o seu
superior hierárquico, o Amadeu, tomou conhecimento de que os pais queriam a sua
cabeça, levou a mão ao coldre e gritou:
- Até ao fim do dia tem de aparecer um culpado,…nem que para isso tenha de
decretar uma firmeza para todos, alunos, professores, oficiais e empregados!
Os pais, reforçados por ex-alunos, ocuparam o campo de futebol durante uma
noite escura, distribuindo comida às escondidas. E tudo se precipitou quando se
ouviu, não o grito do Ipiranga, mas do Cu-de-Senhora:
- Mãe, atira-me uma carcaça, que eu estou cheio de traça.
No dia seguinte a cabeça do Comandante de Batalhão foi entregue numa
bandeja, daquelas onde costumavam servir os bifes da testa, ao Director, uma
gentileza de alguns dos que tinham iniciado e patrocinado o evento. As rédeas
do poder passaram para as mãos do comandante da quarta companhia, e por causa
de várias expulsões, tiveram de vir reforços do sexto ano.
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