Camarada Choco
Aventura 91
A nossa tarefa consiste em ensinar os Desaparafusados a
pensarem, mas eles não querem. Já que não é possível acordar-lhes os neurónios,
tenta-se agora dar-lhes com a “Kólidade”. E isto ataca todos, porque se algum
Aparafusado não se apresentar condignamente, deverá ser denunciado ao guarda
Porres. Irá então acabar o organizado Ninho de Indisciplinados, para ser
substituído por uma colectividade desorganizada de colaboradores entusiastas,
competentes, enfim, promete-se a cura. O primeiro a ser apanhado nesta rede
burocrática foi o Cabo Pilas, porque trazia por debaixo da camisa uma t-shirt
de alças:
- Senhor psicadélico pedagogo, não estamos na época balnear,
isto aqui agora é uma casa com Kólidade, - gritou a autoridade,
desequilibrando-se e pisando com violência o irmão gémeo do arguido, o único
motorista da Venteira que guiava em pé, que se dobrou com a dor, pondo à vista
de todos umas cuecas fio-dental do Benfica.
- Pai, - atirou o Capivara, apontando para o mano do Cabo
Pilas.
- Pai?? Agora já sei porque és Desaparafusado, - gritou a mãe
puxando desesperada.
Algures nas entranhas da Escola para Desaparafusados da
Venteira:
- Puuuuum, Voooohsss, - libertou-se o Gungunhana Branco,
acertando em cheio na cara da Schnauzer.
- Meu Deus, mais um relatório, - gritou a Menina Tatrícia
agarrando em duas folhas:
Ocorrência 1 - “São quinze horas e trinta e cinco minutos e
dez segundos, do Ano da Graça da Doutora Sem Canudo, e venho por este meio
declarar que o mongão soltou uma Cavilha”.
Ocorrência 2 – “São quinze horas e trinta e seis minutos e
quarenta segundos, do Ano da Graça da Doutora Sem Canudo, e venho por este meio
declarar que a cliente Schnauzer apanhou em cheio com os gases do Gungunhana
Branco, na face, ficando por alguns segundos privada de oxigénio, com os
cabelos inclinados à retaguarda, tendo-a posto de imediato ligada à bilha de
oxigénio”.
- Estes relatórios estão incorrectos, - avisou uma das
Sobrinhas da Tarde, batendo violentamente com um carimbo nas folhas, deixando
no papel uma marca vermelha com a cara da Madrinha. – Tem de especificar a
quantidade da cavilha do Gungunhana, a Kólidade exige sempre uma marca.
- Posso escrever “o cliente deu uma cavilha semelhante a um dinossauro”
?
- Menina Tatrícia, dinossauros há muitos, tem de dar uma
marca. E ainda por cima acertou na cara da Schnauzer, pondo-a em risco de vida.
Se ela der o berro, sempre poderemos atirar as culpas para cima da fábrica que
embalou os feijões, que o Gungunhana comeu. Percebeu?
- Foi uma bufa com 125 metros cúbicos!
- Está melhor, mas substitua “bufa” por “flato”. Um cliente
da Escola para Desaparafusados da Venteira “flateia-se” sempre. No outro tem de
especificar a posição da cliente quando foi confrontada com os gases
intestinais do colega. Estava em pé? Sentada? De cócoras?
- Mas isso interessa?
- Na “Kólidade” tudo interessa. Levar um “flato” em pé é
diferente de estar sentado. O registo “com os cabelos inclinados à retaguarda”
indica que ela estava de pé, o que é um risco para a sua saúde, sabendo nós que
ela pode dar o berro a qualquer momento.
E assim, após as correções necessárias, os novos relatórios
da Menina Patrícia passaram o crivo da Kólidade, e tiveram direito ao carimbo
verde com a cara da Madrinha a fazer o “V” com os dedos. Entretanto no
refeitório reinava a confusão, parecia o IC 19 em hora de ponta, agravado por
um acidente entre duas cadeiras de rodas.
- Estou tramada, o Fangio Espástico entrou a abrir, e foi em sentido
contrário, - gritou a velha Pilca atirando para o chão o chapéu e a raquete de
autoridade. – E ainda por cima acontece quando sou eu que estou de serviço.
As setas desenhadas no chão na noite anterior não deixavam
dúvidas, o sentido de circulação no refeitório era agora único, passara do caos
indiano para a ordem alemã.
- E o colete, onde
está o seu colete, Dona Pilca? - Perguntou a Sobrinha da Tarde, soprando com
raiva no apito.
- Colete?
- Sim, quando está em funções rodoviárias neste espaço, tem
de usar colete, é uma regra da Kólidade.
E a Kólidade estava agora à porta da Sala da Listete a medir
a qualidade do ar.
- Não podemos ter valores iguais ao do Trancão, - informou a
sempre presente Sobrinha da Tarde.
- Mas eles cagam que nem heróis, - explicou a chefe do espaço
dos Quiabos Adultos.
- “Cagam”? Os nossos clientes já não “cagam”, defecam, a
Kólidade assim o obriga. E mesmo que a “defecagem” seja de leão, está aqui o
Haise para disfarçar.
E eis que passa a correr a Fininha dos Serviços Administrativos,
sendo de imediato interceptada pela autoridade:
- Onde pensa que vai com essa pressa?
- Estou com a bexiga cheia.
- Então fica a saber que a bexiga a partir de agora só poderá
ser despejada nas casas de banho e não no polidesportivo pelado como é seu
costume, percebeu?
Mas havia um espaço em que a Madrinha recusava a entrada da
nova moda: o lago!
- Aquilo tem de ser conforme a Kólidade, - explicava com
frequência a Afilhada da Tarde.
- Está conforme a minha Kólidade, - gritou a dona do estabelecimento.
– O meu caneco…canudo, diz que eu também estudei biologia, por isso não admito
que ponham em risco a vida dos bicharocos, já tão ameaçados pelos
Desaparafusados que vão para lá nadar.
Não havia tempo para ocorrer a todos os incidentes, no refeitório
tinha havido uma nova ocorrência, um coxo entrara em fora de mãos e capotara
para cima do pudim duma zarolha, que tivera de imediato uma travadinha, seguido
de um abrunho que acertara no meio dos olhos dum chinês, que….enfim, o saudoso
Kaos habitual instalara-se no restaurante, para gáudio de todos.
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