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315 estórias

Friday, March 08, 2013

Camarada Choco 92 - Kólidade

Camarada Choco

Aventura 91


A nossa tarefa consiste em ensinar os Desaparafusados a pensarem, mas eles não querem. Já que não é possível acordar-lhes os neurónios, tenta-se agora dar-lhes com a “Kólidade”. E isto ataca todos, porque se algum Aparafusado não se apresentar condignamente, deverá ser denunciado ao guarda Porres. Irá então acabar o organizado Ninho de Indisciplinados, para ser substituído por uma colectividade desorganizada de colaboradores entusiastas, competentes, enfim, promete-se a cura. O primeiro a ser apanhado nesta rede burocrática foi o Cabo Pilas, porque trazia por debaixo da camisa uma t-shirt de alças:
- Senhor psicadélico pedagogo, não estamos na época balnear, isto aqui agora é uma casa com Kólidade, - gritou a autoridade, desequilibrando-se e pisando com violência o irmão gémeo do arguido, o único motorista da Venteira que guiava em pé, que se dobrou com a dor, pondo à vista de todos umas cuecas fio-dental do Benfica.
- Pai, - atirou o Capivara, apontando para o mano do Cabo Pilas.
- Pai?? Agora já sei porque és Desaparafusado, - gritou a mãe puxando desesperada.
Algures nas entranhas da Escola para Desaparafusados da Venteira:
- Puuuuum, Voooohsss, - libertou-se o Gungunhana Branco, acertando em cheio na cara da Schnauzer.
- Meu Deus, mais um relatório, - gritou a Menina Tatrícia agarrando em duas folhas:
Ocorrência 1 - “São quinze horas e trinta e cinco minutos e dez segundos, do Ano da Graça da Doutora Sem Canudo, e venho por este meio declarar que o mongão soltou uma Cavilha”.
Ocorrência 2 – “São quinze horas e trinta e seis minutos e quarenta segundos, do Ano da Graça da Doutora Sem Canudo, e venho por este meio declarar que a cliente Schnauzer apanhou em cheio com os gases do Gungunhana Branco, na face, ficando por alguns segundos privada de oxigénio, com os cabelos inclinados à retaguarda, tendo-a posto de imediato ligada à bilha de oxigénio”.
- Estes relatórios estão incorrectos, - avisou uma das Sobrinhas da Tarde, batendo violentamente com um carimbo nas folhas, deixando no papel uma marca vermelha com a cara da Madrinha. – Tem de especificar a quantidade da cavilha do Gungunhana, a Kólidade exige sempre uma marca.
- Posso escrever “o cliente deu uma cavilha semelhante a um dinossauro” ?
- Menina Tatrícia, dinossauros há muitos, tem de dar uma marca. E ainda por cima acertou na cara da Schnauzer, pondo-a em risco de vida. Se ela der o berro, sempre poderemos atirar as culpas para cima da fábrica que embalou os feijões, que o Gungunhana comeu.  Percebeu?
- Foi uma bufa com 125 metros cúbicos!
- Está melhor, mas substitua “bufa” por “flato”. Um cliente da Escola para Desaparafusados da Venteira “flateia-se” sempre. No outro tem de especificar a posição da cliente quando foi confrontada com os gases intestinais do colega. Estava em pé? Sentada? De cócoras?
- Mas isso interessa?
- Na “Kólidade” tudo interessa. Levar um “flato” em pé é diferente de estar sentado. O registo “com os cabelos inclinados à retaguarda” indica que ela estava de pé, o que é um risco para a sua saúde, sabendo nós que ela pode dar o berro a qualquer momento.
E assim, após as correções necessárias, os novos relatórios da Menina Patrícia passaram o crivo da Kólidade, e tiveram direito ao carimbo verde com a cara da Madrinha a fazer o “V” com os dedos. Entretanto no refeitório reinava a confusão, parecia o IC 19 em hora de ponta, agravado por um acidente entre duas cadeiras de rodas.
- Estou tramada, o Fangio Espástico entrou a abrir, e foi em sentido contrário, - gritou a velha Pilca atirando para o chão o chapéu e a raquete de autoridade. – E ainda por cima acontece quando sou eu que estou de serviço.
As setas desenhadas no chão na noite anterior não deixavam dúvidas, o sentido de circulação no refeitório era agora único, passara do caos indiano para a ordem alemã.
 - E o colete, onde está o seu colete, Dona Pilca? - Perguntou a Sobrinha da Tarde, soprando com raiva no apito.
- Colete?
- Sim, quando está em funções rodoviárias neste espaço, tem de usar colete, é uma regra da Kólidade.
E a Kólidade estava agora à porta da Sala da Listete a medir a qualidade do ar.
- Não podemos ter valores iguais ao do Trancão, - informou a sempre presente Sobrinha da Tarde.
- Mas eles cagam que nem heróis, - explicou a chefe do espaço dos Quiabos Adultos.
- “Cagam”? Os nossos clientes já não “cagam”, defecam, a Kólidade assim o obriga. E mesmo que a “defecagem” seja de leão, está aqui o Haise para disfarçar.
E eis que passa a correr a Fininha dos Serviços Administrativos, sendo de imediato interceptada pela autoridade:
- Onde pensa que vai com essa pressa?
- Estou com a bexiga cheia.
- Então fica a saber que a bexiga a partir de agora só poderá ser despejada nas casas de banho e não no polidesportivo pelado como é seu costume, percebeu?
Mas havia um espaço em que a Madrinha recusava a entrada da nova moda: o lago!
- Aquilo tem de ser conforme a Kólidade, - explicava com frequência a Afilhada da Tarde.
- Está conforme a minha Kólidade, - gritou a dona do estabelecimento. – O meu caneco…canudo, diz que eu também estudei biologia, por isso não admito que ponham em risco a vida dos bicharocos, já tão ameaçados pelos Desaparafusados que vão para lá nadar.
Não havia tempo para ocorrer a todos os incidentes, no refeitório tinha havido uma nova ocorrência, um coxo entrara em fora de mãos e capotara para cima do pudim duma zarolha, que tivera de imediato uma travadinha, seguido de um abrunho que acertara no meio dos olhos dum chinês, que….enfim, o saudoso Kaos habitual instalara-se no restaurante, para gáudio de todos. 

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