Comandante Guélas
Série Colégio Militar
A decisão já era oficial, o Colégio Militar preparava-se para
receber no seu seio as Meninas de Odivelas e os Pilões. As Dulcineias viriam,
não através do túnel que várias gerações cavaram em vão com as suas próprias
mãos, mas sim de Metro. E isto estava a causar o pânico em alguns Meninos da
Luz, com medo que elas viessem atraentes, ameaçadoras, em poses sedutoras,
idolatradas. Por isso eram contra, queriam a exclusividade, mesmo reduzidos a
uma turma por cada ano:
- Se conhecerem o colégio que eu conheço, deviam saber que
esta fusão só terá um efeito, a sua destruição, - gritava um Bétinho que nunca
sentira na pele um pincel frio cheio de tinta plástica preta com pasta de
dentes, que fazia arder os tomates, e que era acordado todos os dias, não com
uma corneta estridente no altifalante, mas pela mamã através do telemóvel.
- Oube lá ó mocinho, tu percebes tanto do colégio como o sapo
tem cabelo. Já viste algum? Ora aí tens! – Respondeu-lhe do Além um
especialista na matéria.
A tradição dizia respeito ao antigos, àqueles que entravam ao
domingo e saiam na tarde de sábado, ficando isolados do mundo, entregues à sua
sorte e à dinâmica do lugar, que os tornava rijos. Eram os gloriosos tempos das
pinturas genuínas com trinchas e todo o tipo de químicos, das intermináveis
firmezas, das apresentações à alvorada, do “prazer” de comer umas bordoadas em
frente à Companhia, por ter um vinco no lençol, ou o fato de treino desarrumado,
ou ter chegado cinco minutos atrasado aos Estudos, e muitas, muitas outras atividades
impensáveis nestes tempos de mudanças. Uma história de sucesso feita de rigor,
de sensibilidade, de garra e de fé, enfim, de “engenho e arte”.
- Acho inaceitável que o pessoal da barretina concorde com o
ultraje que é a fusão, - tornou a gritar o Bétinho, agora alcunhado de Cuecas
de Buda, mesmo sendo proibido nicknames, para não traumatizar os petizes, que
nunca tinha tomado banho num balneário com uma só torneira, onde a água gelada
alternava com a água a escaldar, e cujo tempo para o serviço era apenas de
vinte minutos, nem mais um segundo, a partir do qual tinha pouco tempo para se
apresentar nas aulas na outra ponta do colégio, porque caso chegasse atrasado
tinha garantidos uma dose de abrunhos na última formatura do dia.
- Ó pá, tu assassinas-me o colégio. Bai lá armar-te em durão
para as saias da tua mamã, - exclamou do éter outra voz eterna.
- Este moço merece uma bengala, não pesca nada de nada, -
reforçou um dos membros do Conselho dos Sábios.
No Colégio Militar tudo dependia da alma, uma alma maior, que
crescera do convívio com os colegas, e com a paixão que este espaço despertava.
Mas, apesar de tudo, não era a Luz que iria acabar, os outros é que seriam
incorporados. Mudava-se, como muita coisa tinha mudado ao longo dos tempos,
agora na formatura olhavam para os pombos, à espera de apanhar com uma poia,
antes olhava-se de frente, como tudo na vida. O tradicional calcanhar a bater
em uníssono, com raiva, no chão, fora substituído pela carícia plantar no
alcatrão ("passo de biela e manivela"),
pois agora ter calos nas solas era considerado antipedagógico por um estranho
grupo chamado Associação de Pais. Quando os Pilões se apresentarem à porta de
armas, todos irão ver a sua decadência, com os penachos murchos, substituídos
por barrigas proeminentes, sinal de que continuam com abdominais fraquinhos, aqueles
que uns anos antes tinham traumatizado o diretor, quando foi informado do
chumbo coletivo nos testes físicos de adesão à Academia Militar. As Meninas de
Odivelas apresentar-se-ão rijas, virão preparadas para o embate e decididas a
mostrar que não irão deixar os créditos da Luz em mãos alheias, bater-se-ão
pela barretina de igual para igual, pois são as pessoas que fazem o espaço e
não o contrário.
1 comment:
Reconheço o Lobato Faria-258/74 no centro da foto. Não me lembro dos outros. Rui Rebelo(422/74)
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