Comandante Guélas
Série Colégio Militar
A refeição decorria dentro da normalidade, o barulho de copos
a desfazerem-se de encontro ao chão não dava descanso ao Zé Pereira, que corria
de um lado para o outro com o bloco de ocorrências na mão e um reforço de mais
dois nos bolsos, não fosse ele uma das vítimas do lema colegial “Um por Todos,
Todos por Um”, que levava sempre a um repartir dos custos por vários, tendo um
dia sido batido o recorde da Luz com “1/180 avos duma pia”, facto com que a
administração militar não se intimidava, enviando diligentemente a respetiva
conta para todos os encarregados de educação. Numa mesa decorria
clandestinamente uma atividade cultural, um soberbo jantar pré-histórico, em
que era proibido usar os membros superiores, havendo por isso alguma
dificuldade em apanhar as lulas com os dentes, e quando as apanhavam alguns
arremessavam-nas de imediato, ao estilo lançamento do martelo. E foram tantas as
vezes que o Punk atirou cefalópodes estufados de encontro ao 249, que acabou
por lhe provocar uma convulsão existencial, que o fez agarrar na terrina cheia
de sopa e enfiar-lha, do alto dos seus 155 cm, pelo côco abaixo, dando corda
aos sapatos de seguida, atitude que não passou despercebida ao capitão Gágá. O
445 estava estático, sentia o calor abrasador do líquido a ser absorvido pelo
blusão, e a aquecer-lhe as partes baixas, ao mesmo tempo que as couves desciam,
mas em passo de caracol.
- Vou partir-te todo Fagulha, - gritou o Punk, correndo em
fúria, deixando um rasto de couves no refeitório.
Não foi longe, o oficial de dia interceptou-o e deu-lhe ordem
para o acompanhar. O meia-leca foi descoberto pelo cabo Pilas debaixo da cama, e
reconduzido ao gabinete junto à entrada das companhias.
- Quero..ro..rooo-os em sen..sen…sentido, sem..em…em
pes…pes…pestanejarem, - gritou o capitão Gágá à beira de um ataque de nervos, e
com a sua conhecida gaguez a todo o vapor.
Por causa da
insubordinação do 445 e do 249, tinha sido privado de saborear um belo Amarelo,
exclusivo para o oficial de dia, prato tradicional do Colégio Militar, feito
com os ovos das galinhas do senhor Nunes, o responsável pela criação, e pai da
única musa existente na Luz durante vários anos, a mítica e exuberante Rosa, a
que se juntavam os bifes da testa da semana anterior, devidamente desfiados e
regados com vinagre, para anular os efeitos da decomposição. À geração criada nestas
condições só se podia dar um nome: Ínclita! Anda agora toda a Europa em
histeria, porque puseram carne de cavalo nos hambúrgueres. Fiquem sabendo que
durante décadas foi o prato principal dos Meninos da Luz, e a maioria continua
rija e recomenda-se. Voltemos ao assunto que envolvia o Gágá, o Punk e o
Fagulha !
“Trau, trau, trau”, foi o barulho dos abrunhos que o capitão
distribuiu por ambos, ficando nas mãos com o resto das couves que ainda
forravam a cara do 445. Mas o lançador de sopas tinha a mania que era
malandreco e ripostou:
- O meu capitão está a bater-me porque tem galões.
O Gágá nem queria acreditar no que ouvia. Olhou enfurecido
para o 249, relembrou-lhe que também ele era ex-aluno, tirou os galões, mandou
sair o Punk, fechou a porta do gabinete, e o que se ouviu desta vez não foi
“trau, trau, trau”, mas sim “Zacatraz, Zacatraz, Zacatraz”, durante muito tempo.
3 comments:
Essa sopa merece ser contada e vai ficar nos anais da história...até que alguém um dia faça outro ensopado pior, o que vai ser muito difícil. Parabéns pela história...Adorei !!! Abraço.
Obrigado Carlos. Soube dela através de comentários no facebook, falei com os intervenientes, e o resto romanceia-se, com o tu bem sabes.
Um abraço
Falta apenas dizer que o “ punk “ faleceu recentemente e , entre outros, houve um camarada que o acompanhou até ao fim,o “ fagulha”!!!
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