Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Estávamos no ano letivo 1972/1973 e a turma E do segundo ano
preparava-se para iniciar a aula de Instrução Militar (mais conhecida por INFIA). O jovem tenente fazia a
chamada e ia ouvindo gritos alternados de “presente”, ao estilo inconfundível
de militares . Até que:
- Aluno 601!
- Presunto.
Risota geral! Houve uma pausa, uma breve pausa na rotina, até
que o oficial investiu raivoso sobre o prevaricador que tinha ousado parodiar
com a instituição militar, e deu-lhe um soberbo carolo, que o fez soltar um
grito estridente de morte. Seguiu-se a apresentação do evento, iriam ser
divididos em três grupos, as três filas da formação, que seriam comandadas por
alunos a designar, tendo como missão deslocarem-se para um canto da parada,
onde fariam o manuseamento das Manelican à ordem do chefe do momento. Ao
prevaricador Gordini (601) foi entregue o comando da terceira fila e indicado o
local para onde se deviam deslocar: o canto esquerdo da parada! Até ao local o aprumo foi exemplar, o modelo
seguido era o colega 69 (“o número mais vergonhoso do colégio” – Horrível ),
Manelican no ombro esquerdo, braço direito a subir até à altura do ombro,
barulho dos calcanhares a bater no solo, só destoava a voz fininha do líder,
mas depois de um carolo daqueles não se podia pedir mais. Mas não pararam no
sítio indicado, dobraram a esquina, e uma vez dobrada as instruções foram
outras, “destroçar” foi a ordem, mas foi um “destroçar” organizado, que obrigou
a uma escala na vigilância. Os movimentos do tenente deveriam estar controlados,
não se podia arriscar. O 125 (Horrível) sentou-se no chão e puxou de um
cigarro, ao mesmo tempo que contava as aventuras amorosas do fim-de-semana, não
fosse ele um dos mais precoces, ou imaginativos, do batalhão colegial. Os
outros optaram por fazer um despique de petardos, parecia o foguetório de uma
festa de verão. Ao longe as outras duas filas trabalhavam que nem formigas,
“firme”, “sentido”, “ombro arma”, “apresentar arma”, “ombro arma”, “descansar
arma”, “à vontade”, num movimento automático que até cansava os pupilos do
aluno Gordini (601), que ressonavam no passeio, junto à porta lateral da quarta
companhia. De repente o 191 (Peidão), que estava de vigia, gritou:
- O Cuequinha vem aí!
Ao longe via-se o tenente a acelerar o passo não acreditando
no que via, mais precisamente no que não via, a terceira fila do 2º E. Quando
dobrou a esquina deparou-se com uma formatura impecável, em “apresentação de
arma”, um miminho para o oficial, cujas Manelican estavam todas apoiadas com o
cão nos cintos de cabedal, para assim aliviarem os braços dos meninos. Mesmo
assim o Cuequinha quis saber a razão para a escolha daquele local, tendo o
fator “sombra” sido a justificação. Deu então ordem para se deslocarem para a
ponta oposta, local mais próximo dos colegas, e assim sucedeu, braço à altura
do ombro, calcanhares a castigar o alcatrão, e a mesma voz esganiçada do líder,
sinal de que ainda não passara o efeito inebriante do fabuloso carolo do
Cuequinha. Mas a cena repetiu-se, a terceira fila do 2º E tornou a dobrar a
esquina e “destroçou”, desta vez junto à porta lateral de acesso à terceira
Companhia. O recreio durou pouco, o oficial estava atento! Foram salvos por uma
inesperada chuva torrencial, que alterou o plano da aula:
- Formar, - gritou o tenente, quando todos se preparavam para
uma debandada geral.
Seguiu-se a ordem de “passo de corrida em frente marche” até
à sala de armas, lá para os lados dos claustros. Se fosse nos tempos que correm
o facto era notícia da primeira página do “Correio da manhã”, que diria que os
alunos se tinham constipado por terem ficado com as cuequinhas molhadas, mas
felizmente tudo tinha decorrido nos anos setenta do século anterior, em que as
cuequinhas ficavam molhadas, não pela chuva, mas pelas aparições espontâneas da
mítica Rosa. E não consta que ninguém tenha ficado constipado por marchar
debaixo de uma carga de água torrencial.
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