Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O dia do tradicional jogo de futebol entre os alunos e os
cães…perdão, oficiais, aproximava-se, e já se sentia a emoção no ar. E como não
podia deixar de ser, o Ramalho, barbeiro fanático da catedral da Luz que tinha
colado no espelho um recorte de jornal que dizia “quem não é do Benfica não é
bom chefe de família”, já estava confirmado e devidamente pago pelos cães…perdão, oficiais. O Comandante do
Corpo de Alunos (oficial) pedia para que não houvesse exageros, como aqueles
que tinham acontecido durante as “Pinturas”, em que a porta de acesso à Soca
(bar dos Oficiais), e paredes adjacentes, tinha sido grafitada com os restos
das tintas, onde se podia ler “Bar dos Cães”, tendo por isso sido aplicada a
pena de “detenção de fim-de-semana” a todo o corpo de graduados, uma vez que
tinham assumido a culpa (“um por todos, todos por um”) pelo ato dos cinco
responsáveis, para que procedessem a limpezas.
Algures numa sala do colégio decorria a aula de francês,
ministrada pelo “François”, um professor proprietário de um aparelho auditivo.
A brincadeira do dia era o “Jogo do Queijo”, e a vítima do momento o 664
(Barrada), que pertencia à Conferência, uma espécie de Opus Dei, que recolhia
dinheiro no internato e ia depois entrega-lo a quem estava previamente
assinalado como necessitado, que tinha ficado sem a sua “La Vache qui rit”,
cujos pedaços cruzavam o espaço aéreo à medida que eram debitados os verbos
“être” e “avoir”. Quando o produto acabou, a turma organizou-se e começaram a
responder ao professor François em voz baixa, o que o levou a pensar que tinha
o aparelho mal afinado. Com o indicador direito aumentou o volume do som, e
nessa altura todos começaram a gritar, obrigando-o a desligar apressadamente o
aparelho que apitava por todos os lados. O 120 (Cabedo) espremia as calças,
depois de ter caído dentro da piscina que estava com água verde, após a aula de equitação; o 191 (Peidão) tentava
coser um botão, por isso trouxera a caixinha dourada com linha, agulha e dedal;
o 601 (Gordini) ajeitava o T.P.C. de Ciências da Natureza, disciplina
ministrada pelo Forreta, um feijão, que germinava dentro de uma lata de
sardinhas, envolvido por um algodão húmido; o 121 (Pejó) simulava um galope; o
125 (Horrível) tentava espetar um canivete no chão. Na sala ao lado o Ferreirinha,
com a sua eterna gabardina cinzenta, entusiasmava-se com o Camões:
- “As armas e os barões assinalados (e dava uma passa no
cigarro Kart) / que da ocidental praia lusitana (nova passa)….
Mas alguém bateu à porta! Era mais uma visita surpresa do diretor,
o que obrigou o professor de português a esconder a mão, com o cigarro, no
bolso. O poeta zarolho continuou a ser o tema, mas as atenções da turma estavam
agora viradas para o que se passava no bolso. Havia atividade, mas o Ferrari
era um professor muito batido nestas andanças, por isso aguentou a pressão, e
ainda conseguiu dar a última passa no Kart, após a saída do visitante.
Na barbearia o árbitro, que já tinha sido corrompido,
conforme a tradição, que nestes tempos era exclusiva do colégio, e depois
generalizou-se ao país, com uma nota de 500 escudos, para que fizesse o
possível e o impossível para os cães…perdão, oficiais, ganharem, estava à beira
de um ataque de nervos, pois detetara que o 288 (Minhoca) trazia umas meias do
Sporting, e por isso jurou vingança. Em vez de lhe cortar um “pente 4” como
fora pedido, aplicou-lhe um “pente 2”, sem reclamação, pois caso o fizesse seria
imediatamente presente ao Oficial de Dia, o capitão Espírito, por estar
“indevidamente fardado”, arriscando-se por isso a sentir o calor da sua régua
de madeira. Amor com amor se pagava, o futebol já neste ano longínquo de 1973
movimentava paixões.
O dia do Derbi da Luz chegou, no campo de futebol de 11 a
assistência só tinha uma cor, cotim, e na altura da troca dos galhardetes, o
alferes Santola foi presenteado com um soberbo osso de vaca, conseguido graças
ao chefe das cozinha, que ultimamente andava um pouco stressado, pois de cada
vez que saia das instalações tinha à sua espera uma multidão de alunos que o
escoltavam até à portaria ao som de gritos: “Meia-Lua, Meia-Lua, Meia-Lua…”! E numa
das vezes chegou a rebolar quando o pau que empunhou para arriar no 305 (Vinasse),
o que estava mais à mão, encravou num ramo dum eucalipto, tendo-se
desequilibrado. Quando o árbitro se preparava para dar início ao encontro
apareceu a acelerar pela pista de atletismo, na sua Java 125, o senhor
Patronilha, que foi de imediato contemplado com um cartão vermelho. Após este
incidente o apito soou e deu-se início a mais um dérbi, onde houve pequenas
escaramuças e um penalti marcado à última da hora, mão do guarda-redes dos
alunos dentro da pequena área!
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