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315 estórias

Monday, March 08, 2010

O netinho de oiro da Dona Ludres

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Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

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O segundo sobrinho do Peidão nasceu como o primeiro, o Cabeça de Ananás, contra todas as probabilidades, pois naquela altura não passava pela cabeça de nenhuma menina de bem, caucasiana, acabar o liceu grávida. E para desespero da Dona Ludres, senhora absoluta da “Casa do Morro”, e contra toda a estatística, ambas as filhas fizeram-na avó mais cedo do que ela alguma vez sonhara: aos 38 anos! A mais velha de um artista com cabelo de caniche a tocar nos ombros e chinelos ortopédicos, cujas unhas riscavam o chão de tijoleira da sogra e a outra de um cabo, da mesma arma que o sogro general, que logo na primeira apresentação, depois de ter sido autorizado a entrar pela porta da cozinha, fez aquilo que ninguém daquela casa conseguira, sintonizar o vídeo da Dona Ludres. Subiu tanto na consideração da generala, que a partir daí tinha sempre, todos os domingos, um rolo de carne à sua espera. O Polifemo, nome com que passarei a referir-me ao filho deste cabo atrevido, meu sobrinho mano, passou a ser criado segundo os cânones da Dona Ludres, ou seja, a fazer tudo o que lhe apetecia, sempre com as costas quentes da vóvó. O outro, o Cabeça de Ananás, estava entregue a outra esposa de um general, a Milu, mãe da Ludres, e a educação era similar, deixando o pobre do Peidão, um menino de oiro de verdade, e agora tio destas duas aves raras, à beira de um ataque de nervos, tentando transmitir alguns valores a estes ciclopes prematuros. A primeira aventura do Polifemo, que levou o tio Peidão a pôr-lhe as mãos no pescoço, sendo salvo in extremis pela avó Ludres, foi quando ele partiu a pata da cadela pequenina, encontrada a vadiar lá para os lados da Ota, dando como desculpa que caiu em cima dela. O netinho de oiro da Dona Ludres estava nesta altura, e assim se conservou durante muito tempo, com o formato de leitão, razão para esmagar qualquer animal que se cruzasse com ele, mas o Peidão desconfiou que ele enfiara um biqueiro na Nazaré, só para mostrar quem é que mandava ali. A vóvó jurou sempre que não, o coitado do petiz estava a correr com a bicha e ela entrelaçara-se nos seus presuntos, obrigando-o a uma aterragem forçada nos paralelepípedos do jardim…com o canídeo pelo meio. Este incidente fez a Dona Ludres rever toda a educação do petiz, visto que o cabo não mandava nada e a filha estava sempre na garagem a pintar quadros, nesta fase aproveitando os trapos que o avô deitara para o lixo, como telhados das barracas desenhadas. Seria uma visionária, uma Pintora Ecológica? Retornemos à reeducação do Polifemo. A generala decidiu que ele iria esgalhar para um piano, para assim gastar parte das energias na cultura. Já se via, orgulhosa, a assistir ao primeiro concerto deste netinho de oiro: a tocar juntamente com a Banda da Força Aérea, para ela e para as amigas, na varanda da sua casa, com o Tejo como testemunha! Mas o que está nos genes é para seguir o seu destino, e o piano ainda existe, após ter resistido às investidas do verdadeiro general que tentara fazer dele uma bancada num dos quartos da cave, com torno e tudo. Quanto ao pianista, passou a usar as mãos para outras coisas mais agradáveis, incluindo a célebre cena do jipe, que lhe ia custando a estadia no planeta. Estaria agora a tocar harpa numa nuvem qualquer perto de si…e a cuspir para cima das velhotas. A história é simples, o papá, ex-cabo e agora professor de uma universidade, pedira emprestado ao sogro o seu jipinho de estimação, para ir buscar um cadeirão que a sua esposa, que insistia em pintar soberbos quadros, agora aproveitando as caixas de ovos do Continente como telhados para as mesmas barracas, comprara no IKEA. Após o serviço foi interceptado pelo Polifemo que se prontificou a devolver o carro ao avô, para que o pai pudesse ir descansar da árdua missão que a mulher lhe confiara. O cabo torceu o nariz, pois o currículo do filho ainda tinha muitas letras a vermelho, mas como o jipe também não era seu e a sua tripa estava a fazer barulho, lá entregou as chaves ao Polifemo, agora um “adulto responsável”, pensou. Quando o netinho de oiro entrou na última curva antes da garagem do avô, perdeu o sentido mais sóbrio da realidade e da sua proporção, colocando o acelerador a beijar a carpete. Nem a curva o fez mudar de ideias, os neurónios estavam amontoados na nuca e das orelhas sairam espessas nuvens de fumo. O jipe de estimação do avô Jorge, general da Força Aérea, levantou voo quando sentiu o murete, deitando-se de seguida de perninhas para o ar. Quando o Polifemo acordou, com o barulho de um líquido, pensou que iria transformar-se num conguito, que lhe valeria uma expulsão da casa da Dona Ludres, tal qual como o Teodorico Raposo da “Relíquia” do Eça de Queirós. Como a Dona Patrocínio das Neves, perdão, Dona Ludres era avessa a modernices, pois para semelhanças com um conguito já lhe bastava o cabelo do Cabeça de Ananás, estilo carapinha, mas que ela insistia ser da raça caniche, o netinho de oiro fugiu do local do crime e entrou em pânico na casa do Tio Peidão que, mais uma vez, teve de se conter quando deu de caras com o veículo do papá, que se encontrava ainda longe da cena. E para acabar, só mais um pormenor: a Dona Patrocínio das Neves, perdão, a Dona Ludres, que estava sempre a dizer mal do jipão do general e a elogiar o seu Nissan, entrou em estado de choque e passou a noite toda a clamar pelo “meu jipe, meu jipe, meu jipe, o que vai ser de mim ter que ir às festas das minhas amigas, não no jipão, mas no traste do Nissan”!

1 comment:

netinho de oiro said...

ADOREI! Chorei a rir!!! xD