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315 estórias

Wednesday, March 24, 2010

Simplesmente Ginja


Comandante Guélas

Série Paço de Arcos
Desde aquela tarde em que o Ginja subiu ao interior da roulote dos santos gémeos de Paço de Arcos, o Pierre Pomme-de-Terre e o Mocho, o primeiro fast-food da Costa do Estoril, imitado mais tarde pelo Mac Donald’s, rapazes de uma vida tão variada e ocupada, a vila nunca mais foi a mesma, tudo se alterou. Como cliente número um tinha direito a um prémio, ideia mais tarde copiada pelo IKEA, que consistiu num cachorro duplo, com salsichas adquiridas na Casa do Adro, e registadas no “Livro de Fiados” em nome do Palitó, o barbeiro que uns dias antes tinha adquirido ao Pierre Pomme-de-Terre uma soberba caçadeira com os canos dobrados, que o vendedor garantira servirem para “caçar coelhos nas curvas”. As consequências desta salsicha extra estão ainda por contabilizar, mas é um facto que o senhor Ginja nunca mais deixou o serviço da causa pública, mantendo inalterada a sua aparência física. O tamanho do enchido depressa chegou aos ouvidos do único capitão de Abril da vila, que pensava que não existia nada mais poético do que ter um gostinho com um imberbe ao pôr-do-sol. E este adolescente multifacetado, com uma linha melódica no andar e uma percepção global da vila, tinha todas as qualidades para ser o “elo perdido” da fonte de que sempre bebera. Dentro deste militar frágil, brando, meditativo, de tempos lentos, noites mal pisadas e cuecas rendilhadas, estava atravessada na garganta uma enorme espinha chamada Estalinho, que o obrigara a passar uma noite solitária em plena serra da Malveira. Tudo se precipitou quando o velho militar soube que a trufa em forma de adolescente tinha os dias contados no continente, e um bilhete de regresso ao quartel nos Açores. Era agora ou nunca! Mas onde raio se metera o filho do tio Chico? O Peidão, um rapaz com queda para as causas humanitárias, soube do desespero do amigo e prontificou-se a levar o convite ao Estalinho, que estava a banhos na piscina do Forte de São Julião da Barra, local de acesso restrito, que obrigava sempre o Ginja a ir no porta bagagens do mini da mãe do Peidão. Quando o Estalinho, um macho lusitano, recebeu a carta secreta do militar teve um ataque de caspa e quis rasgá-la, acto prontamente impedido pelo amigo, o mais sensato adolescente alguma vez nascido e criado na Costa do Estoril. Se o Estalinho não respondia à proposta veloz do amigo de meia-idade ele, Peidão, responderia em nome do Estalinho. Dito e feito:
Aceito
Local: “Farta Pão”
Horas: 20H35
Quando o militar recebeu de volta o papel entrou num transe dedicado à satisfação desenfreada dos vícios da luxúria e da gula, antevendo já o Estalinho a explodir-lhe nas mãos. O dia seguinte foi longo, muito longo, prolongou-se para lá das 23 horas na serra da Malveira, esperando e desesperando em vão pela sua bombinha de Carnaval que nunca chegou, atitude esta que levou a um corte de relações abrupto. Foi nesta altura que o Ginja apareceu, tal qual um D. Sebastião, envolto em prazeres interditos pela moral puritana da Paróquia, praticando uma panóplia de actividades clandestinas, que atraíram de imediato o militar, esquecendo, como que por milagre, o maldito Estalinho. Mas este adolescente era diferente, muito diferente, curioso, muito curioso. A cena seguinte desenrolou-se na Régua após uma atribulada descida do rio Douro. Os guerreiros instalaram-se num bar de apoio da piscina do Clube de vela, graças à excepcional diplomacia do militar, que também fazia parte da tripulação, e desfrutaram de umas merecidas férias. O Ginja deu logo nas vistas com os seus ousados mergulhos, pondo as fêmeas da fauna local em delírio. E uma delas destacou-se da matilha. Apaixonou-se de imediato pelo Apolo de Paço de Arcos, que a convidou para uma saída nocturna, mas logo ali surgiram dois constrangimentos: o irredutível pai da noiva e o ciumento militar. O segundo contentou-se com umas irresistíveis massagens dadas pelo nosso herói, que usou como creme repelente de mosquitos, e o primeiro foi ultrapassado com uma visita inesperada do pretendente à casa do sogro. Vestiu a melhor roupa disponível, usou o mesmo creme como brilhantina e o resto ficou a dever-se à sua já famosa prosa, capaz de arrasar com qualquer um. O velho caiu na lábia e a noite foi passada à borda da piscina, com promessas de uma vida futura numa mansão na paradisíaca Terrugem. A compra do vestido para o casamento foi logo ali marcada para a tarde do dia seguinte, sabendo já o artista que iria embarcar na carreira da manhã rumo a Lisboa.

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