O Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
O dinheiro que o Peidão tinha
amealhado, como uma formiga, nos jornais, só lhe chegava para ir passar dois
dias à quinta do Zé dos Porquinhos, em Manique, e ele queria ir para o Algarve.
Por isso juntou-se ao Milhas e ao Kikas e os três foram labutar para uma
fábrica de embalagens da zona, a Novembal. No contrato de trabalho dizia que
tinham a categoria de “Cartonistas”, ou seja, “paus para toda a obra”. O Peidão
foi destacado para o exterior, dobrar ferro para cima de uma enorme parede de
um futuro pavilhão. O Milhas foi para o bem-bom, transportar caixotes de cartão
e o Kikas passava o dia na praia, porque entrava de manhã pela porta principal,
picava o ponto e saia por um buraco na parte de cima da empresa. Ao fim do dia
fazia o caminho inverso e assim permaneceu durante todo o primeiro mês, no fim
do qual recebeu o primeiro ordenado e despediu-se de imediato. Quanto ao
Peidão, só esteve três dias no topo da fábrica, pois de cada vez que atingia o
cume, escondia-se num buraco que lá havia e adormecia. O encarregado bem podia
gritar pelo seu nome, mas devido a um “bem-aventurado” problema físico, era
coxo, não tinha possibilidades de subir a escada. Por isso teve de o enviar
para dentro, juntando-o com o Milhas. Com esta dupla a linha de produção nunca
mais foi a mesma. Tinham como tarefa colocarem os caixotes num tapete rolante a
um ritmo que permitisse ao colega, que estava na ponta longínqua, ter tempo
para recolher o produto e empilhá-lo. Mas surgiu algo que desestabilizou a
equipa maravilha. Descobriram que o colega do extremo oposto era o Álhi, o
bombeiro mais famoso da vila, que não gostava que o tratassem por esse nome. O
ritmo de caixotes colocados passou a ser de tal maneira alucinante, que o Álhi
viu-se obrigado a “spintar” durante vários minutos até que desistiu depois de
ter sido engolido por dezenas de caixas de cartão a dizer “Skip”. Quando o
encarregado se apercebeu do caos, parou a máquina e viu-se obrigado a fazer
ajustes. Os “cartonistas” Milhas e Peidão foram mudados de posição, ou seja,
passaram para o lugar do Álhi e este foi ocupar o lugar que antes pertencia a
estes. E ainda receberam um reforço de peso, um operário mais pequeno que o
Trovãozinho, mas com muita vontade de trabalhar, que não era o caso daqueles
“meninos de boas famílias”. Enquanto a dupla demorava dez minutos a arrumar uma
simples unidade, o Pequeno Polegar fazia-o em rápidos segundos. O que valia era
que o ritmo do Álhi estava tão lento, devido ao esforço anterior, que acabou
por influenciar as prioridades dos dois membros do Gang dos Meninos Ricos e
Caucasianos de Paço de Arcos. Resolveram construir um labirinto com as caixas e
quando o concluíram, adormeceram. O coxo passou várias vezes por eles, estava
desesperado à procura dos seus “cartonistas”, mas só os conseguiu encontrar no
dia seguinte quando se apresentaram para mais um dia de trabalho. Tinha uma nova
função para os seus subordinados: a Linha de Etiquetagem! Um rolo de papel
passava por uma bacia de cola, era cortado mais à frente e o Peidão e o Milhas
colavam as etiquetas nos caixotes. O trabalho era tão árduo, que eles começaram
a ficar com calos nas mãos, uma violência inadmissível para estes “meninos de
boas famílias”. Depressa descobriram uma maneira de se safarem. Bastava haver
um atraso na fase da colagem para que mais tarde ou mais cedo tudo se
encravasse e a bacia tombasse do alto do tripé e o chão ficasse forrado de
cola, ao mesmo tempo que o monstruoso rolo de papel se enrolava na máquina que
o puxava, entrando tudo na redline,
sendo necessário carregar no botão encarnado para parar a produção. Isto
significava trinta minutos de descanso para os nossos jovens e trabalho árduo
para os verdadeiros operários. E mal as máquinas tornavam a roncar, mais tarde
ou mais cedo a cena repetia-se. O coxo andava desesperado e tudo só voltou ao
normal quando a dupla Milhas e Peidão foram separar tampinhas para uma
arrecadação perdida algures numa ponta do Pavilhão. Mal o chefe os deixou
sozinhos, descobriram um buraco e adormeceram. Tiveram azar. O Encarregado
Geral e o Chefe Máximo detectaram-nos por acaso. O Milhas adormecera com os pés
de fora! Agora iriam trabalhar a sério. Devido a serem muito religiosos, os
céus ajudaram-nos. O mês chegara ao fim, os salários foram pagos e eles
entregaram o papel do despedimento ao mesmo tempo que o Kikas.
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