Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O Externato Teixeira Rebelo
preparava-se para comemorar mais um 1º de dezembro, a única cerimónia que ainda
se mantinha, e agora a mais importante na agenda do país, depois da venda das
Selvagens ao estado espanhol. Para trás ficara o fanatismo dos discursos
desequilibrados de trincheiras, típicos de guerras de fação, onde só existiram
ou defeitos ou virtudes, e tudo isto porque o Colégio Militar parara num ponto.
Até o patrono mudara, Afonso de Albuquerque, modelo de vida e de ação, dera
lugar a uma Berta, importada das ilhas, com duas pernas e sem manchas pretas. No Zimbório perfilhava-se o batalhão, Escolta
incluída, com os soberbos cavalos de pastelaria, prontos a galopar mal dessem
ordem para introduzirem as moedas nas ranhuras. Na primeira companhia estava à vista
de todos uma das consequências da “Reforma
do Alguidar”, aquele que não fora à tropa por sofrer de enurese, que o
impossibilitava de ter a ereção matinal após o toque da corneta: na ânsia de
trocar “valores” por “lucro rápido”, internacionalizara-se o colégio, e assim o
batalhãozinho mostrava com orgulho o seu cromossoma extra no par vinte e um, porque
fora confundido com um chinês. Ao seu lado estava o Perna de Pau, com o membro
inferior direito nivelado por um tacão, que só tinha sido descoberto na terceira
noite quando uma almofadada o obrigara a lutar descalço. Os elementos femininos
do Batalhão da Luz estavam retidos na Brandoa, mais uma vez o autocarro que as
trazia diariamente da Pensão de Odivelas, após a transformação do mosteiro em
Centro Comercial, acusara o desgaste, e recusara-se a subir. Do edifício prometido
só existia uma palete de tijolos e um aglomerado de ferros ferrugentos, os da
primeira leva, antes do desaparecimento dos três milhões, um processo que
continuava em segredo de justiça, apesar de todos saberem que os milhões
estavam escondidos numa agência bancária algures a meio do Atlântico. Nos
claustros a estátua em bronze da Berta, cuja biografia oficial a colocava ao
lado de D. Nuno Álvares Pereira, por ter acabado com a “última limitação de
género da República Portuguesa” (sic), continuava a sofrer atentados periódicos
do “Grupo Zacatraz”, mas desta vez o tradicional bigode fora substituído por um
furo na parte posterior, e um “A” no início do nome. A responsável atual, a
Tânia Vanessa, que substituíra apressadamente a açoriana depois desta ter sido
vítima de um “Ramalho” no Colombo, no mesmo sítio onde tinham saltado os dentes
ao Proença, ato que os governantes tentaram em vão, depois de mudarem a lei várias
vezes, classificar como terrorista, acabara de autorizar a constituição de mais
uma companhia, a “Ala dos Namorados” que, segundo palavras da governante,
“representa a simbiose definitiva entre a Cruz de Avis e a Barretina, ao mesmo
tempo que promoverá o incremento de alunos no 1º ciclo a curto prazo”. O tradicional toque da corneta, que regulou o
tempo na Luz durante dezenas de anos, fora substituído pelas músicas dos
“Caramelos com Adoçante”, a série do momento, patrocinada pela Fundação Cabral
Branco, que também explorava o Restaurante “Os Caracóis”, nas instalações do
antigo ginásio, uma das contrapartidas da agenda escondida. No palácio do conde
de Mesquitela, onde tantos deveram tantas aspirinas a tão poucos, situava-se
agora uma loja árabe, “al-Guidar”, de medicina alternativa, que vendia ervas
aromáticas que punham os alunos em permanente estado de felicidade, para que
ficasse bem patente a eficácia das mudanças, que tinham transformado o colégio no
“Paraíso da Luz”, como dizia o panfleto distribuído em todos os semáforos da
capital pelos romenos da “Cais”. Ao seu lado estava o bazar chinês, “A Xunga da
Terceira”, com a exclusividade do enxoval da Luz, que incluía a célebre farda
unissexo com Kilt cor de pinhão. A entrada do representante do governo foi
anunciada, e quando o político se preparava para discursar, ouviu-se um toque
de telemóvel:
-
Moçooo és um Jericoacéfalo….um burro sem cérebro!
Era a senha do “Grupo Zacatraz”, do
meio dos espectadores saiu uma turba com mocas nas mãos, que se precipitou
sobre o Dr. Sem Canudo de nome Alberto, arrastando-o para o primeiro andar, em
substituição do tradicional Miguel de Vasconcelos.
O som da excelência a bater no chão
duro ecoou pelo Zimbório, e acordou o Leninov, ucraniano, que entrara já com
bigode, e tivera o mesmo impacto que o Sissé nos anos setenta.
- De pé na cama todo nu, -
gritou-lhe um graduado com uma trincha na mão.
Sorriu, mesmo sabendo que no dia seguinte tinha "Apresentação à Alvorada" de "pano-cotim-pano", cama para fazer, e tudo isto em vinte minutos, caso não quisesse comer vários abrunhos por chegar atrasado à formatura.
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