Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O meio militar orgulha-se dos
seus serviços de comunicação, cheios de protocolos, que dizem garantir a
eficácia na transmissão da mensagem. A
Luz acordou com o ronco dos autocarros militares que saiam de forma ordeira do
colégio, já o mesmo não se podia dizer dos meninos que cantavam em uníssono do
interior “As Meninas de Odivelas”. Tinham como destino o Regimento de Cavalaria
de Braga, que os iria acolher neste primeiro dia da excursão pedagógica. A
teoria iria dar lugar à prática, os professores de História, Geografia e
Ciências teriam de mostrar que as secas dadas nas aulas teóricas tinham
correspondência no terreno. A viagem demorou uma eternidade, nos anos oitenta a
auto-estrada acabava cedo, e teve somente uma paragem para almoço, um
piquenique colegial, onde foram servidas sandes, pedaços de galinha, fruta e um
sumo. A mata serviu de casa de banho! Quando chegaram à Porta de Armas do
quartel o sol já se tinha recolhido aos aposentos, e o soldado da guarda dormia
a sono solto. Acordou sobressaltado com os faróis dos veículos militares, e com
o barulho que vinha do seu interior. Por momentos pensou tratar-se de uma nova
revolução, cujo comando tinha ordenado a este exército de anões para ocuparem o
quartel.
- Colégio Militar? – Exclamou o
soldado quando foi informado pelo capitão Oscaralhito da chegada. – Mas em que
país é que fica?
Nos veículos sentia-se a tensão,
os Meninos da Luz já se imaginavam à mesa com uns soberbos bifes de cavalo,
acompanhados por um arroz doce com a consistência da argamassa. Foi chamado o
oficial de dia, que repetiu a pergunta:
- Colégio Militar? – E mexeu na
papelada. – Não tenho qualquer tipo de informação da vossa vinda.
Ao longe a rapaziada
inquietava-se com o que via, o oficial pequenino e careca que os comandava
aumentara o ritmo do seu gesto compulsivo, pentear o cabelo a partir da orelha.
- Não temos nem casernas, nem
comida., - sinal de que o papel de Lisboa tinha servido para a higiene íntima
de algum sargento barrigudo.
Valeu a Deusa Minerva e o seu
“engenho e arte”, pois tinham trazido as fabulosas tendas de 3 panos, que não
conseguiam dar guarida aos pés. O terreno disponibilizado era longe, e foi com
frio e fome que montaram o acampamento militar, com a respectiva escala de
“quartos de sentinela”, onde muitos estiveram perto da hipotermia, devido ao
frio cortante. Valeu-lhes a taberna das redondezas e o seu meio-gordo, e
derivados, à taça e à garrafa! Um pouco mais tarde o Regimento de Cavalaria de
Braga, num gesto de bom senso, para manter o Colégio Militar à distância,
ofereceu-lhes comida: duas caixas de madeira, uma cheia de pão duro e a outra
com sardinhas afogadas em sal! Cada um arranjou um pauzinho, onde espetou o bicho
e preparou-se para assá-lo numa fogueira, que carecia de autorização dos
oficiais:
- Nem pensar, estão a gozar com a tropa, isso
é contra as regras militares, denunciamos a nossa posição ao inimigo- respondeu
indignado o Cuequinha, não cedendo a devaneios e madalenas.
- Mas, meu tenente, na nossa
terra estes bichos só se comem assados, - exclamou o Javardo elevando a voz. –
E não estava previsto um acampamento, a excursão era de caráter intelectual,
devíamos de estar a dormir no quartel em caminhas fofinhas.
- E é nisso que os nossos pais
devem estar a pensar, - reforçou o Jags.
Mas como a fome já era negra, e a
burocracia militar lenta, alguns optaram por começar a cozinhar os Clupeidae com o álcool que tinham
comprado na tasca do “Manuel da Leitaria”. Não foram longe com a ajuda do Rum,
do Gin, do Brandy e do Pisang Ambon: os bichos mantiveram-se teimosamente
como vieram ao mundo, mas as circunstâncias criaram-lhes a ilusão de estarem a
saborear primos afastados, os carapaus com bigode. Depois de uma
reunião
bem regada, o Pintelheira, porta-voz dos cães, leu a ata
aos discentes. Mencionava os termos inapropriados com que
um aluno se dirigira ao seu superior hierárquico, a forma usual de dar a volta
a uma questão pertinente, mas abria uma excepção para este caso imprevisto e da
responsabilidade de terceiros, ou seja, de ninguém. Houve fogueira, os inimigos que se lixassem!
Eram seis horas
da manhã quando a patrulha do 357 foi informada da presença de uma carrinha na
estrada nacional, que precisava de um empurrãozinho. Quando a Ford Transit
roncou, após vários ratés, que levaram momentaneamente o sonho do
capitão Oscaralhito para cenário de guerra, saiu das suas entranhas um fumo tão
espesso que ofuscou o grupo, criando um efeito especial, um dos caucasianos regressou com uma nova
identidade: o Javardo dos anos oitenta tinha-se transformado no Sissé dos anos
setenta. Durante duas semanas o urinol oficial foi a berma da EN1, onde vertiam águas, em alinhamento perfeito, cinquenta Meninos da Luz de cada vez!
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