Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Os lençóis levantaram-se com
estrondo, levados por um vento e por uma tempestade inesperada, brilhante,
veloz e aterradora, que não era do domínio do ar, mas do interior obscuro dos
intestinos, com ligação direta ao cérebro. Seria real ou apenas uma alucinação
o pungente pesadelo da “jornalista”, fruto de um estado psicótico atormentado
pelos spots televisivos dos Meninos da Luz? Ouviu murmúrios que caiam uns sobre os outros, viu olhares hostis,
medonhos e perversos, os pensamentos ficaram caóticos, excessivos,
fantasmagóricos, estava ali e fora dali, distante com proximidade, num universo
fragmentado no tempo e no espaço, com um clima de tensão no limite do
insuportável, cheio de pássaros negros chocando no ar. Queixava-se de
ter sido atacada por vibrações emitidas por uma barretina, alucinação causada
por fumo ilegal, por isso ouviu uma tosse surda vinda das paredes do pardieiro,
sentiu uma entidade estranha, viu então uma mulher lívida, de sorriso estampado
na cara, com um olhar doce. Aproximou-se com a ganância que lhe era conhecida,
mas esta transformou-se num homem com sotaque do Porto, calças apertadas a meio
da barriga e um contínuo mascar de tabaco, que lhe atirou uma soberba cuspidela
para dentro da cara lúgubre.
- Querias, - gritou-lhe o Menau.
- Bai-te lá deitar ó calhau com
olhos, tu és “a desonra dos valores essenciais da república portuguesa, um
atentado à razão”, mesmo sendo eu monárquico.
- És um “híbrido escandaloso”, -
acrescentou outro de nariz saliente, voz rouca, vinda do fundo, e cabelo
amarelado, - uma bronca, nem uma bengala mereces. Na tua profissão, que é a
mais antiga, umas dormem com o olho fechado, outras com o olho aberto, por isso
nunca aprendeste a ser autêntica.
Fernanda tossiu uma tosse seca e
nervosa, e esfregou, com rapidez e repetição, as mãos, que só sabiam escrever obscenidades,
injúrias e insultos.
- “Criada na monarquia para os
rebentos das elites do exército”, - leu o professor de Português, aproximando a
cara da coisa. – Rebentos das elites?
- Sabes o que é um Jericoacéfalo?
– Perguntou-lhe o professor de Físico-Químicas. - É o que tu és….um burro sem
cérebro. O Rebelo criou o colégio porque estava preocupado com a educação das
crianças e jovens familiares da sua guarnição.
Como é que uma pessoa, sem
qualquer tipo de vocação, cuja educação se baseara no oportunismo, como ficara
patente uns anos antes ao aceitar fazer o papel de namorada de um político, obrigando-a
a inventar um sentimento que não sentia pelo género oposto, poderia agora dar
palpites sobre o Colégio Militar?
- Sabes “porque é que ainda existe”? – Gritou o Ferrari,
puxando-lhe por uma orelha. – São duzentos e dez anos !
Fernanda procurou um pensamento
mais forte, pensou no ontem e no amanhã, mas o ar estava saturado de cansaços,
decadências, desistências e derrotas. O Ferrari, professor de português vindo
do Além, porque as circunstâncias assim o obrigaram, pôs uma mão no bolso,
tirou um maço de Kart, colocou um cigarro na boca e acendeu-o calmamente,
atirando-lhe o fumo para a cara, ao mesmo tempo que torcia a coisa da coisa:
- Escuta, Fernanda, não
passas de um peido e julgas-te perfumada a
violetas!
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