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315 estórias

Thursday, August 15, 2013

Os limites da Luz


Comandante Guélas
Série Colégio Militar

- A Cruz e a Espada foram sempre os dois símbolos de Portugal, - disse o Cardeal na visita ao Colégio Militar durante os anos trinta.

O diretor do estabelecimento, levou as palavras a peito e decidiu, durante o desfile do batalhão, que a Cruz iria ficar ao mesmo nível da Espada: a missa dominical passaria a ser obrigatória, mesmo para os da religião anglicana. Deu bronca! As missas que se seguiram foram barulhentas, saltitavam bolas de ping-pong, os bufos entregavam os culpados ao padre, as penas de detenção aumentaram, a medida foi rapidamente retirada. Os Meninos da Luz mostravam, mais uma vez, que havia limites que não podiam ser ultrapassados, como em 1938 quando o governo quis instalar a Mocidade Portuguesa dentro do colégio, com fardamento próprio. A onda de repúdio que se ergueu, e o facto do presidente da República ser ex-aluno, fez recuar os políticos, que nunca lidaram bem, independentemente do regime, com o Colégio Militar. Na aula de filosofia o Remédios não conseguia que a “lógica silogística” captasse a atenção da turma, uns jogavam à batalha naval, outros liam jornais desportivos, e havia quem pusesse o sono em dia. Até que:

- Venha ao quadro rapaz - disse, apontando para o Jóquei.
As perguntas que se seguiram foram de caráter vingativo, a turma ficou muda, todos estavam a zero, ninguém queria estar na pele do colega. O Jóquei aguentou desesperado o interrogatório, até que a emoção o fez investir contra o alferes, dando-lhe um biqueiro na perna, fazendo-o fugir da sala, a coxear, e no meio de risos e aplausos. A sentença foi rápida:
- Vais ser expulso do colégio, a tua família já foi avisada, - informou o Cobras, que não aparece na galeria oficial dos diretores, com um hiato de rostos e nomes entre 1936 e 1944.
Neste dia, após o toque da alvorada, o Bambu ficara com problemas emocionais, o diretor fizera uma visita surpresa.
- Dormiu sem pijama? – Perguntara-lhe.
- É o calor meu tenente-coronel, - justificou.
- Ah, é o calor? Então eu facilito-lhe a vida, esse cabelo vai todo fora.
Careca e com a festa da prima no fim-de-semana, não lhe dava muito jeito. Nem teve paciência para a fotografia da praxe junto à escadaria do palácio do conde de Mesquitela, onde funcionava a enfermaria, que nesta altura também tinha um enfermeiro chamado Valentim, tal como nos anos setenta. Mesmo com a farda de pano vestida, com os botões polidos com Solarina a brilharem ao sol e os sapatos pretos em estilo espelho, fez uma careta.
Os Estudos eram regidos pelo Chinito, que entrou a coxear, uma antiga maleita ganha na Primeira Grande Guerra, cujos gases o tinham tornado num professor com mau feitio, que distribuía reguadas por “dá-cá-aquela-palha”. Reparou que as luzes brancas, suspensas do teto, rodopiavam e, por breves momentos, ficou a olhar para os globos. De seguida dirigiu-se para as janelas abertas e fechou-as, sentando-se na secretária para atender um aluno que o esperava com um caderno na mão. Olhou para cima e, qual não foi o seu espanto, quando viu de novo os globos em movimento.
- Um tremor de terra, chefe de turma, sentiu o edifício a tremer?
- Não meu capitão!
O Chinito estava nervoso, levantou-se, saiu da sala e foi perguntar ao sargento. Ninguém sentira nada, mas no entanto os globos moviam-se furiosamente.
- Eu não acredito em fantasmas - gritou, - tem de haver uma explicação.
A turma ria-se, o regente sentia-se impotente, andava na sala de um lado para o outro, até que tropeçou num fio transparente, que descia do teto pelo fundo da sala, passava as carteiras e acabava no posto do comando, a mesa do Engenhoso, que tentou uma fuga, mas foi de imediato agarrado pelo oficial, que o levou para o estrado, deu-lhe as reguadas da praxe, e saiu com ele da sala. A aula de português do Murgalho decorria com normalidade, debitava a matéria e fumava, até que surgiu na janela da porta, uma invenção do Cobras para poder controlar as aulas, a cara do director. Entrou e sentou-se na primeira fila, ao mesmo tempo que o docente escondia o cigarro no bolso das calças, prosseguindo com a lição. Primeiro estranhou-se, depois o cheiro a queimado entranhou-se, e quando o professor começou a gritar de dor, ao mesmo tempo que retirava um lenço a arder do bolso o director saiu sem pronunciar qualquer palavra. Anos mais tarde, nos anos setenta, a cena repetiu-se, também na mesma disciplina, com o professor Ferrari, que escondeu o Kart no mesmo sítio, mas controlado pela mão que permaneceu no bolso o resto da aula.













 

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