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315 estórias

Monday, January 07, 2013

Os Três Croquetes


Comandante Guélas
Série Colégio Militar


Estas aventuras mostram que nenhum adeus é definitivo, há ainda muitas memórias que circulam pelas veias dos Meninos da Luz, assim como valores que continuam a ser alavancas para o futuro. Quando o Pintado, autor do “Peixe Celeste”, um prato colegial famoso, foi viver para a moradia existente junto à parada, nunca pensou que iria fazer parte da história do Colégio Militar. E a culpa era dos magníficos abdominais, que eram comuns a quase todos os militares da sua idade, que davam a sensação de estarem sempre grávidos. Nesta altura para fazerem uma encomenda de géneros alimentícios, tinham sempre de pedir uma grande quantidade, ao contrário de hoje que basta um pequeno saco do Continente.
- Quantos pastéis de nata deseja? – Perguntou amavelmente o funcionário da pastelaria que estava no balcão.
- 600! – Respondeu a seco o responsável pela degustação dos Meninos da Luz.
O rapaz olhou demoradamente para o militar em formato de leitão e tornou a questioná-lo:
- É para embrulhar ou come-os já?
A zona das refeições era um mundo de fragrâncias, das que vinham directamente das cozinhas, ou indirectamente dos balneários aos lado. E foi durante uma refeição que o 166 resolveu esconder debaixo da mesa os três croquetes que tinham sobrado, devidamente acondicionados no saco do guardanapo. Alguns meses depois, e de novo com croquetes no menu, o percurso dos ditos inverteu-se, regressando à travessa. Chamou de imediato o oficial de dia, o capitão Vitória, e mostrou-lhe com veemência a sua indignação:
- Bifes da testa ainda se comem, mas croquetes duros e com verdete é demais.
  O senhor João, mais conhecido como Meia-Lua, devido aos problemas capilares, não conseguiu explicar a razão para este “encontro imediato”,
- Garanto-lhe meu capitão, os croquetes foram todos feitos hoje.
A seguir à refeição o Maná resolveu procurar algo que o ajudasse na digestão. Escolheu o vinho destinado à missa, que estava na capela dos claustros, mas só teve tempo para dar um golo pois apareceu, vindo das trevas, o padre Peixoto, o professor de História que escrevia as perguntas dos pontos nos triplicados das participações, deitando depois as cópias para o lixo, ação esta que nunca se soube se era deliberada ou por distração, mas que fazia com que nunca ninguém chumbasse.
- Então 78, a bebida é do seu agrado?
Antevia-se um processo, o Maná já sentia uma carecada, e outros miminhos exclusivos da Luz, e ainda por cima agora que se aproximava um Chá Dançante com a presença de muitas Meninas de Odivelas. Mas, ao contrário dos outros, o padre Peixoto deu início a uma dissertação sobre vinhos, que acabou com uma oferta de uma excelente garrafa de Porto e um conselho:
- Tens de bebe-la toda para não ires parar ao Inferno, que era o que te aconteceria se tivesses morcado aquela zurrapa.
Noutra ponta dos claustros a aula do Falcão, professor de matemática, não tinha deixado saudades, a única positiva, um “suficiente”, fora para o 157 (Becas),  por isso o Cascão (436) quando viu que o docente já estava a uma distância de segurança, atirou-lhe com o dicionário de português do Cão (328), “Um por Todos, Todos por Um”, que acertou em cheio no côco do professor.
Não muito longe dali, decorria uma partida simultânea de xadrez, Semita versus Alunos e, pela primeira vez na história deste estabelecimento militar, um aluno com o número 73 ganhava terreno ao professor de Físico-Químicas. Mas foi sol de pouca dura. Com um golpe “acidental” da sua gabardine, o engenheiro Grijó acabou com a ousadia do atrevido, espalhando as peças sobre o tabuleiro. A assistir à cena, e perto da derrota, estava o 15 (Nietsche), que aproveitou a sabedoria do mestre, deixando cair o barrete sobre a zona do jogo.
- Moço, essa foi a melhor jogada que fizeste até agora, - disse o Semita, avançando para o aluno do lado. 
As gravações subcorticais de acontecimentos remotos, que estão muito abaixo do horizonte da vida mental de muitos Meninos da Luz, são as fontes destas aventuras.

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