Comandante Guélas
Série Colégio Militar
No Colégio Militar a maior parte dos alunos estava constantemente a tropeçar em si mesmo, por isso as cabeças borbulhavam diariamente. O Menau iniciou a aula com um discurso que iria fazer na Assembleia. Cada aluno lia uma parte, até ele o interromper e pedir:
- "Pequena obação", - para os medíocres
ou
- "Grande obação", - para os alunos de excelência, raros nesta turma, porque a maioria ovacionava com as palmas e os pés.
Por isso mudou rapidamente de assunto antes que o caos piorasse.
- "Pequena obação", - para os medíocres
ou
- "Grande obação", - para os alunos de excelência, raros nesta turma, porque a maioria ovacionava com as palmas e os pés.
Por isso mudou rapidamente de assunto antes que o caos piorasse.
- “Para alguém sou um lírio entre os abrolhos”, - ditou o
Menau ao 4º E, com uma intensidade
emocional que o transformava numa pessoa diferente sem o sotaque do Porto, andando
de um lado para o outro no estrado.
- Stor, - chamou o Gordini, pondo o braço no ar, e
continuou. – Entre os quê?
- Abrolhos!
- Agrolhos?
- Não é “agrolhos”, é “abrolhos”! – Gritou o Menau,
carregando ainda mais no sotaque nortenho, ao mesmo tempo que dava um banho ao Six com uma chuva de perdigotos.
E continuou:
- “E tenho as formas ideais de Cristo”!
- E tem as formas ideais de Cristo? – Interrompeu o Vinasse.
- “E tenho”, TENHO, - respondeu exaltado, engasgando-se com o
tabaco que estava a mascar, que guardara religiosamente na bochecha esquerda,
sendo obrigado a abrir a gaveta da secretária à pressa, para onde enviou uma
soberba cuspidela.
E continuou a ditar o poema “Alguém” do Cândido, mas já com
as emoções à flor da pele, que o obrigaram a acelerar o ritmo:
- “Para alguém sou a vida e a luz dos olhos / E, se na terra
existe, é porque existo”
- Xisto? – Perguntou o Leitão.
- “XISTO”??????? – Indignou-se o Menau, batendo com o livro
de ponto na mesa. – “EXISTO”, “EXISTO”, ó burrico!!!!!
O ditado tinha-se transformado numa brincadeira, havia
dúvidas a rodos, o Menau fora envolvido
por súbitos clarões, fragmentos curtos de relâmpagos, a voz desaparecera,
lágrimas escorriam-lhe pela cara, o docente estava reduzido a um espetro psicótico, a roçar o niilismo,
mergulhado na escuridão angustiante do 4º E, que
se transformara
numa turma a preto e branco, com muito grão. Prosseguiu! Deu seis de seguida
sem interrupções, até que, quando a alma já tinha atingido a homeostasia:
- “Esse alguém abre as asas no meu
leito”!
- “…do meu leite??? – Perguntou o Escalope,
pondo-se de pé, com o braço tão esticado que parecia querer riscar o teto.
- “NO
MEU LEITO”, “NO MEU LEITO”, óh carágo, menino! -
Gritou desesperado o professor de Português, em maiúsculas e a bolt, e continuou. – Vós sois uns insensíveis, vós não mereceis as mães que tendes.
Estava na red line, exausto, a voz fora
engolida pela emoção, dizia
frases imperceptíveis, parecia estar próximo do fim, apoiara-se na secretária, tinha as pernas presas, os olhos ardiam
com o sal do suor. Permaneceu mudo
durante uns minutos que pareciam uma eternidade, até que disse com uma voz
calma:
- Eu cá não sou bingativo, mas quem mas faz paga-mas. Chefe de turma, bai-me buscar um capote, está um frio do carago!
Deu inicio às tradicionais chamadas
orais, mas desta vez não aceitou os voluntários, o Horrível, o Peida-Gorda e o Pitosga que
tinham sido escalonados para fazer o TPE, uma forma que a turma arranjara para
dar a volta à questão e não ter que estudar muito, e assim ganhar uns valores
extra pelo ato de coragem. O Menau abriu então à sorte a caderneta, gesto que
há muito não acontecia, e a fava saiu ao Peidão!
2 comments:
E quando nos punha a ler um discurso que iria fazer na Assembleia e nos interrompia em certas partes para nos dizer e levar a fazer: Pequena Obação, ou Grande Obação. Claro que todos batíamos palmas.
Ja para nao falar nos Lusiadas a tres.........
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