O Camarada Choco
Aventura nº 76
Quando a Menina Tatrícia viu a amiga da Mosca Morta nem quis acreditar: sapatos de agulha, cabelo Estilo Moisés, calças rotas da Brandoa, unhas primorosamente pintadas, carinha laroca, e decote atrevido. Distribuía miminhos pelos Desaparafusados e sorrisos Pepsodent aos Aparafusados.
- Vens trabalhar para aqui, vens – resmungou a Menina Tatrícia. – A primeira vez que mudares uma fralda e ficares com merda nas unhas, voltas para a loja a ganir.
Mas não foi assim, a Pirosa apaixonou-se perdidamente pelo Choco e nunca mais largou o clube...integrou-se. E num dia de chuva os Desaparafusados que estavam à responsabilidade do padrinho do Choco foram acordados, enquanto dormiam alegremente no ginásio, por um som descorporizado, onde se via através dos ouvidos, hossanas atrás de hossanas, entre o estridente e o inaudível. A Pirosa arriava de olhos fechados na Lobisomem, que assimilava os papo-secos ao mesmo tempo que gritava por todos os poros, no meio de um lusco-fusco com cheiro a merda, à frente de uma turba em estado letárgico, reflectida no espelho do cagatório número 3, que já não via o pano da Kalélé há várias semanas. O corpo da Lobisomem estremecia à medida que ia enfardando. Na sala da Dona Pilca, já praticamente reformada destas histórias, a Barbuda não aguentava a pressão e declarava-se perseguida pelos colegas Desaparafusados, e por isso ameaçava greve à apanha dos croquetes diários das cadelas se as condições de trabalho não fossem imediatamente alteradas:
- Não quero ser mais chamada de Barbuda, exijo ser tratada por Lili Kroketes, com dois “k”. Entendido?
De Desaparafusados percebia o Stor Pobre, sentia-os à distância, em qualquer lugar, a qualquer hora:
- Tens toda a razão, é justo, a partir de agora a ordem para ires apanhar os croquetes vai ser dada em código e não te dirijo o olhar. Vou fingir que é com um dos teus colegas que estou a falar.
- Aceito, – disse a Barbuda…perdão, a Lili Kroketes.
A palavra passe passou a ser “Barrote Croquetes”, com o Stor Pobre de olhos colados no monga Raló, e o Bitó a fazer de eco. E como não havia duas sem três, entrara outra sala em convulsão:
- Tinto, trocou o clássico cinzeiro por carrascão? – Gritou a Dra. Sem Caneco (ex Sem Canudo) sem se aperceber de que na sala ao lado (a quarta!) acabara de tirar o Nélinho do seu estado natural de letargia libertando-o, mais uma vez, dos seus impasses, e continuou. – Com estas garrafas de tintól para muitos dos nossos queridos Desaparafusados não vai ser o “Dia do Pai”, mas um normal “Dia da Pinga”.
- Mas a garrafa é do tamanho dum bribon, para esses não lhes faz efeito nenhum, – justificou-se a Sobrinha da Tarde Número Um, já com meia-paralisia facial.
Felizmente a cena foi interrompida pelo ciclone emocional, e já rotineiro, do Nélinho, que exigia a presença imediata da Doutora Sem Caneco no primeiro andar, para um taco-a-taco. A Madrinha já tinha mudado de alvo e estava agora com o estado compulsivo virado para a Beta Cigana que, por ser namorada do filho do presidente, passara a bater diariamente em todos os colegas Desaparafusados do Lar e ameaçava com despedimento os Aparafusados que a impediam de distribuir os papo-secos. Mas o problema mais grave dizia respeito ao Choco, mais precisamente ao seu pepino, que ele insistia em esgalhar diariamente ao longo dos últimos meses, tendo sido até aqui classificado o gesto pelos especialistas como “punheta”, mas que agora mudara de figura ao ter sido descoberto um terceiro tomate. Informada a mãe, o caminho da urgência do Centro de Saúde foi a atitude mais correcta, mas a Dona Native não se revelou, mais uma vez, a pessoa indicada para transmitir ao “dótór” a descoberta:
- Ele “em” um “tico-tico” (sic), passa a “ida” a tocar à gaita, – disse de rajada a progenitora Desaparafusada.
Nem aqueceram o lugar, foram de imediato recambiados para a consulta de psiquiatria, como já era habitual, pois o “dótór” insistia em despachar todos os doentes de rajada, para assim atingir a quota diária e pirar-se para o privado, onde fazia o mesmo mas amealhava muito mais.
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