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315 estórias

Sunday, August 29, 2010

Olá Fresquinho


Comandante Guélas

Série Paço de Arcos


Mais uma vez o Cine-Teatro de Paço de Arcos não deixava o crédito em mãos alheias e apresentava ao exigente público paçoarcoense, pela vigésima vez, o fabuloso filme com Bruce Lee “O Sinal do Ko Lhão”. Quando deu de caras com enorme cartaz pendurado na porta, o Menino Élinho deixou-se encartar pela pose desafiadora do chinês, espécie só vista no ecrã, e por momentos encarnou no herói, vendo-se no coreto da Avenida, vestido de pauliteiro de Miranda, a aviar os filhos do Manelinho do Estrume. Regressou à realidade quando sentiu o toque do Gilinho no ombro a avisá-lo que a campainha já tinha tocado. Mas não subiram sem antes se abastecerem de saborosos amendoins, cujas cascas seriam arremessadas mais tarde para a plateia, interceptando primeiro a luz da projecção, para assim criar efeitos especiais na tela. Até nestas modernices da actualidade a gloriosa vila de Paço de Arcos foi pioneira! Quando as luzes se apagaram o público reagiu, e os pirilampos dos guias-bilhetes acenderam-se em sinal de advertência.
- Álhi, Tópitói, - gritou alguém, avisando os espectadores da presença do mais célebre bombeiro da vila, que zelaria pela segurança do recinto.
Os “Filmes Castelo Lopes” deram as boas-vindas aos presentes e nas cenas das apresentações todos ficaram a saber que o Roberto Carlos iria aparecer numa longa metragem a cores, seguido dum fabuloso Zorro a preto e branco, numa sessão 2 em 1, estratégia comercial, também pioneira da vila mais famosa da Costa do Estoril. O Nico, que estava sentado entre o Menino Élinho e o Gilinho, aproveitou a escuridão momentânea e atirou, não uma casca de amendoim, mas sim uma escarreta misturada com pedaços do fruto e da crosta, ambos torrados. O primeiro intervalo chegou, e Bruce Lee nem vê-lo. O Paulo Abelha já ressonava, e o Ruizinho do Pombalino estava com o rabo dorido, mesmo estando sentado na zona mais in do Cine Teatro de Paço de Arcos. A correria ao bar foi a do costume, havia proibição de fumar na zona do público, não uma medida ambiental, mas uma exigência do bombeiro que temia que uma fagulha pudesse incendiar aquela mistura quase irrespirável de cholé, sebo, sovaco, bufas, arrotos, e outros gases potencialmente inflamáveis. Quando a campainha tocou, a correria foi geral, vinha aí o Bruce. O Menino Élinho endireitou-se e ainda teve tempo para simular um golpe de karaté, que passou a rasar o nariz do Gilinho. Como era de prever, a cena do “Sinal do Ko Lhão” começou com uma troca de beijos entre um camponês esfarrapado, que todos sabiam ser o herói, e uma linda chinoca vestida com umas cortinas, minada de pó-de-arroz e com uns pauzinhos cravados no cocuruto, cena esta que alternava com a da chegada dos maus, que desciam a montanha que circundava a aldeia, a galope. As bocas estavam coladas, e todos os movimentos alternavam com as línguas, que não se viam.
- Espera aí que já cospes, - gritou o Todo Boneco, como já era tradição, do meio da plateia.
Os pirilampos acenderam-se e o prevaricador foi avisado de que para a próxima era convidado a sair.
- Álhi, Tópitói, - gritou outro mais acima.
Mais avisos, seguidos de outros gritos, até que o público mais culto se manifestou, pedindo silêncio. Foi nessa altura que o gangue do “Pim Ga Lim” chegou às casas e partiu tudo, excepto o Bruce Lee, que conseguiu fugir e jurou vingança.
- Conta comigo, – gritou o Menino Élinho entusiasmado.
- Para quê, só se for para o jantar, – provocou o Gilinho.
- Duvidas que eu partia o Pim Ga Lim todo se o apanhasse no Coreto?
- Tu nem uma porta partes, – gritou o Ruizinho do Pombalino.
- Lá fora falamos. Aposto uma caixa de gelados!
O desafio estava lançado, depois da vingança do Bruce Lee viria a desforra do Menino Élinho. E não demorou muito, pois o Bruce Lee parecia estar com pressa e rebentou num abrir e fechar de olhos com toda a província natal do Pim Ga Lim. E uma vez na Avenida o desafiu foi lançado:
- Aposto que não és capaz de deitar aquela porta abaixo, - desafiou o Gilinho, apontando para a barraca dos gelados “Olá”.
Não obteve resposta porque o Menino Élinho saiu a correr em direcção ao alvo, ao mesmo tempo que se via no ecrã em câmara lenta. A guardar a casota estava o Pim Ga Lim e lá dentro encontrava-se prisioneira a fabulosa Sapo. O estrondo foi enorme, mas nada cedeu. O Gilinho riu tanto que acabou por se desequilibrar e bater violentamente com a cabeça na porta, que saltou dos ferrolhos. Por breves segundos o grupo ficou paralisado, os gelados estavam ao alcance de todos. E foi isso que aconteceu! A barraca foi tomada de assalto e cada um agarrou numa caixa.
- Agarra que é ladrão, - gritou um popular.
Foi a debandada geral, o Gilinho e o Menino Élinho seguiram em direcção à sede velha do Clube Desportivo de Paço de Arcos, enquanto que os outros optaram por outros caminhos alternativos. Mas de uma coisa ninguém prescindiu: dos doces, pois correram e chuparam ao mesmo tempo, diz a lenda! Mas voltemos aos heróis principais. Ambos entraram pelo clube, é um facto, mas actualmente divergem na modalidade que se estava a jogar, o Gilinho diz que é damas, o Menino Élinho opta pelo xadrez, pormenor que nos dá a idade actual destes paçoarcoenses. Este deu logo de caras com o primo Albertino, que desafiou de imediato para um jogo, mas que lhe disse para ir montando o tabuleiro enquanto comprava tabaco. Para a história da vila ficou registado que o Menino Élinho tinha sido visto a jogar xadrez sozinho, talvez devido aos efeitos nocivos de algum gelado marado. A perseguição aos outros elementos do Gangue do Karate prolongou-se pela noite dentro, e teve como cenário a linha do comboio. Quem assistiu a toda esta cena foi um par de namorados sentadinho num banco do jardim, a Marina da casa galega e o Pinando!


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