A notícia correu depressa, o ex-adolescente mais certinho da vila, o Peidão, ia casar-se, e os membros do Gang dos Meninos Ricos de Boas Famílias e Caucasianos de Paço de Arcos (G.M.R.B.F.C.P.A.) desejaram “boa-sorte” à noiva, a Santinha. Mas surgiu um problema: não havia lugar para todos, os futuros sogros do que pensavam ser o noivo mais cobiçado da Costa do Estoril queriam poupar na boda. Foram de imediato confrontados com a solução mais óbvia: os velhos saltavam, para dar lugar à juventude…e que juventude! Acabavam-se assim as madames de cabelo à “Moisés”, com fatos a cheirar a naftalina, pérolas de plástico, cachuchos de roscas e prendas miseráveis, acompanhadas por cavalheiros com dentaduras descaídas e que estavam mais para lá do que para cá, encharcados em Pritralon 2000, as criancinhas penduras não faltavam ao infantário, e às tias da aldeia prometia-se enviar os restos em “tupperweares”, para elas e para os bóbis. A festa assim rejuvenescia e com toda a certeza que seria muito mais original. Mas nunca ninguém imaginou o quanto original ela iria ser, nem o próprio Hitchock! A autorização para mais uns quantos foi dada na véspera e o Peidão e a Santinha convidaram todos e mais alguns, prometendo arranjar lugares disponíveis, nem que para isso tivessem de raptar durante alguns dos inúmeros familiares. Até o Bigornas trouxe um coirão que ninguém conhecia, mas que ele insistia ser a namorada de há muito, esquecendo-se de que no gang só havia registo da eterna Kika, uma alemã que só se lembrava do namorado quando precisava de alguém para lhe levar a bilha de gás da porta de entrada para a cozinha, nas traseiras, cruzando-se sempre com o Camaleão, irmão do Estalinho, que acampara à porta da Lentes, dentro do “Mustang” do pai, o saudoso Tio Chico, que dizia sempre com orgulho ser pai de “quatro matulões”, esquecendo-se que o filho Trovão tinha um metro e meio. Os convites de última hora foram feitos como os primeiros, de boca em boca e à porta do Pica, porque para os noivos poupar nas mariquices dos convites significava mais lugares à mesa para os amigos. Mas mesmo assim ficaram muitos esquecidos e alguns traumatizados. O dia D chegou e quando o Peidão acordou tinha ao seu lado a sua grande paixão, a mártir de nome Santinha, com quem vivia em pecado há já vários meses, para grande desgraça da mãe desta, a Dona Santola (uma “Santinha ao quadrado”, segundo classificação do jovem). Despediram-se e combinaram encontrar-se no altar para regularizar a situação com os céus. A boda teve lugar na Quinta da Granja em Sintra, pois o pai do noivo era o chefe da força que guardava os ares do país, excepto os que o filho costumava largar, e para o Orlando, o comandante, este era o dia mais feliz da sua vida, pois talvez estivesse aqui a grande oportunidade para progredir na carreira: dar todo o conforto ao filho do chefe! Na véspera do grande acontecimento paçoarcoense fez uma visita guiada às instalações, incluindo a ala mais in do palácio, os aposentos “reais” datados do século XVII, recentemente restaurados, e colocados de imediato à disposição dos noivos, para que os inaugurassem a seguir à boda. Até a retrete, onde muitos nobres tinham arriado faustosos cagalhões, se encontrava recauchutada e selada para os fundilhos do Peidão e da Santinha. Mas ao noivo, que não ligava muito a estas mariquices da História, o que lhe chamou à atenção foi o corredor dos aposentos dos oficiais, paredes meias, que estava forradinho de extintores , um por cada porta.
- Se o gang vem aqui, o Orlando manteigueiro será despromovido e passa a ser o Cabo Pilas , - pensou. – Vamos ficar longe destas tentações com a cor da maçã do Paraíso!
Como já era de prever a chegada do noivo foi acompanhada de um coro, de “Peidão” e muitos “Peidão”, que se estenderam à cerimónia na igreja, felizmente dirigida por um paçoarcoense padre que teve o bom-senso de acelerar o ritmo.
- Se queres falar com o meu irmão, até às 20 horas está no convento e depois passa directamente para o bordel, - dissera aos noivos um mês antes o adolescente Serapito quando estes escolheram o seu mano para lhes abençoar a vida de pecado.
E os gritos foram tantos que os meninos de boas famílias de Paço de Arcos ficaram com as goelas secas, vendo-se obrigados a porem-nas de molho mal tiveram oportunidade. O avô do noivo, pioneiro da aviação, juntou-se à festa e levou um amigo que conhecera, o engenheiro com cara de leitão. Nunca mais ninguém os parou! E foi nesta altura que um oficial da base foi encurralado na casa de banho, pois resolveu ir verter águas antes de um lote de meninos ir verter também as suas. Quando descobriram por baixo da abertura da porta do cagatório os seus sapatos e as calças em baixo, aproximaram-se. O Graise bufou-se durante meia hora e no intervalo entre cada petardo o Velhinho batia na porta e gritava:
- Então, então, estão aqui crianças!
O de lá nem tossiu nem mugiu, e assim ficou até que os copos dos meninos ficaram vazios e tiveram de ser recarregados. No andar de baixo a festa ia rija, o Pilas cavalgava pelos vastos corredores do palácio, enquanto que os noivos apanhavam a seca do costume, fotos e mais fotos com aves raras pelo meio. O fotógrafo era o irmão do Bigornas, e como o noivo não lhe prometera nada, excepto um almoço à conta dos sogros, simulou fotografias que nunca chegaram a aparecer. No final aconteceu aquilo que o Peidão e a Santinha temiam!
O Vaca Prenhe, cunhado do noivo depois de ter presenteado a Dona Ludres com um netinho fora de tempo, o Cabeça de Ananás, resolveu praxar o Peidão nos aposentos reais. Um minuto depois de entrarem entrou também a boca dum extintor, comandado pelo Graise, e encheu o espaço de um nevoeiro serrado, que obrigou metade do gang a refugiar-se no wc selado. E selado ficou, porque aproveitaram a confusão para verter águas para onde estavam virados. A sogra da Santinha nem queria acreditar, do quarto saia fumo branco, não porque houvesse Papa, mas sim porque todos os extintores estavam agora vazios. O Orlando não podia actuar, e por isso teve de ir o chefe que colocou todos os “meninos de boas-famílias” no exterior para minimizar os estragos. E naquela zona havia uma grande piscina atestadinha de água cristalina, que foi para onde se dirigiu o gang para se refrescar. Um minuto depois já havia jovens em cuecas a voar da prancha, incluindo a Santinha que foi atirada de vestido de noiva. O ponto alto desta banhada colectiva foi quando o Pilas baixou as cuecas e ofereceu a fruta a uma velha que espreitava escandalizada num canto do edifício:
- O que tu queres está murcho, - gritou o adolescente que, para constituir família, teve de ir viver em reclusão para o Porto, sendo agora um pai com grave amnésia em relação ao seu passado na vila mais gloriosa da Costa do Estoril.
A história deste casamento imemorável correu de boca em boca pelas damas militares, como já era tradição no ramo, e chegou como escândalo ao colo da filha de um deles, que nunca vira os noivos, mas era como se tivesse estado na boda.
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