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315 estórias

Tuesday, October 07, 2008

Operação “Solaris”





O Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

A História fala muito da guerra química que dizimou as trincheiras da Flandres, mas nunca mencionou o cogumelo de fumo que ficou para sempre gravado nas memórias dos adolescentes de Paço de Arcos no longínquo Verão Quente de 1975. Foi neste dia que Paço de Arcos ficou para sempre ligada a Andrei Tarkovsky.
  
Vivia-se uma espécie de epidemia mental sob a forma de pensamento único universal, a época era a do PREC, os camaradas Durão Barroso, Nuno Crato e pandilha eram donos e senhores das ruas, e tentavam substituir-se ao ministério na reeducação do povo. Mas havia concorrência! No Cine-Teatro de Paço de Arcos os pupilos do Barreirinhas oferecerem um dia às massas o filme russo rival do americano "2001 Odisseia no Espaço", que tinha um título que mais parecia a marca de um bronzeador:  “Solaris “. A juventude paçoarcoense compareceu em massa ao evento cultural, devidamente apetrechada com um argumento que não iria deixar chegar ao fim o filme feito por uma sociedade cujos promotores diziam ser "o paraíso na Terra". Ainda não tinham decorrido cinco minutos de projeção e já o Graise e o Peidão despejavam sobre o pó, de nome "Litopone", comprado no Zé da Antónia, uma garrafa de Ácido Muriático. Formou-se de imediato uma nuvem esbranquiçada que saiu direitinha, e em formato de cogumelo, para os lados do balcão. O Chico Sá, que tinha acabado de entrar, fugiu em debandada, assim como o Focas, que já estava a dormir, e que passou por cima do único preto que havia em Paço de Arcos, e que acabara de adormecer encostado ao ombro do Conan Vargas. Cinco minutos depois foi o Marreco, o responsável pela projeção, e atrás dele todo o cine-teatro, incluindo os camaradas. Os responsáveis pelo evento cultural depressa acusaram a “reação” de ser a responsável por tão vil atentado, que punha em causa a balda, perdão, a liberdade! O Todo-Boneco nem teve tempo para gritar a sua famosa frase, “espera aí que já cospes”, porque não houve  cenas com beijocas, cujas revolucionárias tinham bigode, com língua e tudo, uma oferta da revolução . O Milhas, a partir desta noite, ficou para a História como o espetador que permaneceu sentado, impávido e sereno, à espera  do recomeço da projeção. O Álhi, o bombeiro de serviço, ainda tentou apagar o fumo com a sua mangueira pessoal, mas fugiu a tempo, o cheiro intenso a merda superava o odor da sua nova companheira, e a isso ele não estava habituado. Na rua acusava-se o MIRN, e tentavam descobrir os autores de tão vil ataque químico. Foram chamadas as autoridades, representadas pelo Cabeça-de-Giz e o Chefe Bigodes, inimigo juramentado do Mac Macléu Ferreira, que iniciou de imediato a investigação, dirigindo-se ao local onde os organizadores do evento juraram terem-se refugiado os "meninos do MIRN", o restaurante “O Tino”, situado num daqueles sítios onde iam aqueles que não podiam ir a outro sítio, e onde o frio de fora juntava-se ao frio de dentro, numa casa de pasto que tinha como missão destronar o seu vizinho galego, dono do restaurante "Os Arcos". Quando entraram no estabelecimento comercial deram início ao inquérito, dirigindo-se ao primeiro suspeito, o senhor Carlos Ponta, que estava a fingir que jogava, numa máquina de “flipers” desligada. O interrogatório foi acutilante, outra coisa não se poderia esperar da tão famosa dupla:
- O senhor estava no cinema? – Perguntaram, com um olhar penetrante, do alto dos seus galões.
- Sim, senhor guarda.
- E o que foi lá fazer?
- Ver o filme, - respondeu o adolescente tirando um tremoço dum prato de alumínio amolgado, onde abundavam pequenos pêlos encaracolados.
Fim do Inquérito!
A projeção recomeçou uma hora depois, no meio de um enorme cheiro a esgoto, em que os únicos espetadores foram obrigados a assistir por ordem do Comité Central. Ao lado deles estava o Milhas que, como se disse atrás, fora o único otário a contribuir para o partido.

2 comments:

Unknown said...

Sensacional...ehehe
Muito engraçado, na época da cortina de ferro um causo hilário, parabéns.
Abraços

Teixeira Lopes said...

Ainda vale a pena lembrar estes detalhes "reaccionários"....