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315 estórias

Monday, August 02, 2004

O Demolidor

                                                        Camarada Choco

                                            
 
Plim, Tlim, Tim ......... gritava a loiça quando atingia o chão da sala ao lado.
- Os pratos, os pratos do almoço - gritou uma funcionária. - É o Zé Trovão.
Era sim, senhora, o Zé Trovão, tinha conseguido iludir a vigilância, que por vezes se quebrava devido à falta de meios humanos. Quando chegaram ao local do crime deram de caras com o autor, que lhes estendeu as mãos e confessou:
- Ó patiu, patiu.....à, à mau - dizia, ao mesmo tempo que revirava os olhos e mordia furiosamente os pulsos, tatuando-se com a sua dentadura de onze anos, a maior parte deles atormentados por doenças da Alma.
- És mau, és mau, estes pratos eram para o almoço - disse a primeira senhora a juntar-se aos cacos.
Coitada, coitadinha, nem teve tempo para se aproximar mais, pois o Zé Trovão deu paz aos seus pulsos e declarou guerra à intrusa, agarrando-lhe freneticamente a cabeleira, arremessando a proprietária contra o chão de nylon, roubando-lhe parte dos cabelos, que ficaram entre os seus dedos gordos. Em socorro da maltratada foi uma educadora, que também não teve muita sorte, apesar de ter ido munida com os métodos pedagógicos mais avançados. Eu fui testemunha ocular e juramentada da cena canalha ! O Zé Trovão parecia estar de relações cortadas com o sexo feminino, pois presenteou esta admiradora com um excelente biqueiro, digno dos melhores momentos do tio Eusébio. Escusado será dizer que deixou a senhora a coxear e a tentar afastar-se o mais rapidamente possível do predador, usando para isso a perna que ainda estava sã. Mas o trovãozinho já não estava para aí virado ! Atacou a terceira, e a mais cuidadosa, que se tinha conservado longe, à entrada,. Desta vez o tiro saiu-lhe pela culatra, pois pretendia distribuir chutos em rajada, ou seja, incluir o professor no lote das vítimas. E como a melhor defesa é o ataque, ele neutralizou-o de imediato, deixando-o sentado no chão, entretido novamente com os seus pulsos, ao mesmo tempo que os feridos eram retirados da zona de combate.
Aos dois anos uma gripe resolveu armar-se em esperta e transformou-se numa encefalite, que deixou muitas marcas no cérebro do Zé Trovão. Teria sido obra do acaso ou tudo já estaria traçado algures nos astros, ou talvez até nos genes? Respostas desnecessárias perante um mal que se instalou e levou para o fundo do poço toda uma família.
Quando fui para aquela Instituição, o Zé Trovão já lá estava a distribuir murros e pontapés a todos. Nem em casa parava. O pai já só aparecia aos fins-de-semana, a irmã ameaçava sair de vez e a mãe ( sempre as mães ! ) era uma mártir nas mãos daquele filho que vivia quotidianamente possesso. A loiça acompanhava o crescimento daquele rapaz de onze anos, e era colocada em armários que trepavam pela parede, estando sempre fora do seu alcance. Quando a segurança falhava, lá saia pela janela um conjunto de canecas ou de pratos, o que estivesse mais à mão, que só parava, felizmente até agora, no alcatrão do bairro. Mas como mais valia prevenir do que remediar, o Zé Trovão tinha acoplado a si um seguro contra terceiros. Em cada canto da casa havia um balde para o menino selvagem poder urinar, visto que quando a vontade apertava ele despejava para onde estivesse voltado.
Mais uma tragédia aproximava-se desta família, pois a mãe ameaçava suicidar-se ! Quiseram então falar com o médico responsável pelo acompanhamento desta criança. Ficaram a saber que o doutor “observava” o seu paciente via telefone. Usaria um satélite ? Não, não era um satélite, era mesmo um telefone, e dos antigos. Precaução, somente precaução e nada mais. Nas últimas visitas do Zé Trovão ao seu consultório, dois anos antes, este tinha-lhe deixado como recordações os cacos do mobiliário. O doutor estava traumatizado !
Na conversa que tiveram abordou-se o tema “lobotomia” e foram informados de que já não se fazia, era contra os Direitos do Homem. Os métodos usados tinham seguido um caminho totalmente diferente, que iam dar ao mesmo ou eram ainda piores. Usavam-se os químicos, montanhas de comprimidos, que neste caso chegavam às 16 bombas diárias, com efeitos secundários que atiravam o nosso amigo para o abismo. Não havia Estômago, Fígado, ou sei lá o quê, que aguentasse tamanha carga de drunfos. E não se limitavam a receitá-los, mudavam-nos constantemente para verem os seus efeitos. Uma “Lobotomia Química”!
- Basta - disseram um dia. - Temos de fazer qualquer coisa !
Quiseram falar pessoalmente com o psiquiatra, que se prontificou de imediato a recebê-los, mas com uma condição: não levar a fera ! Há dois anos que não o via, fugia dele como o Diabo da Cruz. Aceitaram as únicas condições possíveis e propuseram uma outra, que consistia em filmar o artista no seu habitat natural, para assim Sua Excelência o poder observar no quentinho do lar, sem maçadas e sem encargos, tendo ao seu lado um copinho de Whisky de 12 anos, estando ambos livres das garras do José Trovão.
Pelo caminho ficaram outras histórias de indivíduos da mesma tribo do nosso amigo, como, por exemplo, a daquela família que contratou um ex-comando para andar sempre colado ao filho, tendo como missão dominá-lo em casos de crise. Mesmo assim o artista conseguiu, durante um jantar familiar, arremessar o caniche através da janela do 5º andar.




1 comment:

theSIGNer said...

Bem fixe.
Tenho que confessar que leio na diagonal, mas mesmo assim... muito fixe