Quantos de nós já não se lembram do
que fizeram no passado, fazem-no no presente e querem, ou não, repeti-lo no
futuro? O 92 de 1934 disse que no Colégio Militar havia “uma espécie de
democraticidade efetiva entre os alunos (…), todos tínhamos um número”, ou
seja, nada de classes sociais. Mas no curso de 71/78 havia castas e na viagem a
Porto Santo elas ficaram expostas. Na Madeira os fait divers
sucediam-se, desde o roubo dos botões do Fernandinho, passando pelas berliets
que deixavam os meninos todos molhadinhos de cada vez que entravam e saiam dum
túnel, da procura incessante das Meninas do Maria Amália até ao ataque de caspa
monumental de um Menino da Luz na piscina da Matur, que pôs em causa a
segurança da ilha. Num dos dias do intenso programa de secas, os finalistas rumaram
à ilha de Porto Santo mas, por serem muitos, foram divididos em dois grupos, uns
iam de Aviocar e outros numa lancha da marinha, transporte que trocariam no
regresso, uma variante do alterne, não fosse o Colégio Militar “uma espécie de
democraticidade”. E foi aqui que entrou em ação a casta dominante! Mas,
continuemos. A viagem de avião até Porto Santo correu da melhor maneira, os
finalistas chegaram alegres, por isso fizeram brilhar os olhos das nativas. No
barco a estória foi outra, o mar alteroso não ajudou na viagem, quase todos os
Meninos da Luz bolsaram, à grande e à francesa, e o seu cheiro azedo, e cor de
defunto, sobrepôs-se ao do peixe, assustando as filhas das vendedoras que fugiram
em debandada. O contraste era flagrante, uns estavam rijos que nem sardas, os
outros tinham-nas flácidas e com cheiro a decomposição.
- Nem pensar, não vou de barco, -
resmungou um, metendo a mão no bolso e tirando uma nota de vinte escudos.
- Mas isso é o preço de um rodeo na
Dallas Cowboy, - reclamou outro.
- Paciência, mas não chego bolsado ao
quartel!
A malta da massa, a casta superior
desta estranha “democraticidade”, tinha razão, era mais cauteloso subornar os
camaradas que deveriam regressar no avião, do que ficarem expostos aos humores
do mar das ilhas descobertas por João Gonçalves Zarco
e o Tristão Vaz Teixeira,
bem representados naqueles dias pelo Primo Orelhas e o Maneli, o único que
conseguia adormecer as galinhas do pai da Rosa. Para a casta inferior um Santo
António dentro das calças de cotim era uma sorte, e ainda por cima nas noites mágicas
da ilha da Madeira com as Meninas do Maria Amália em roda livre. Para a casta
superior era somente uma mudança de óleo a menos na “Albertina das Mamas
Grandes”. O Aviocar trouxe no regresso uma parte daqueles que levara, mas para
azar deles o mar estava chão para os que vieram na lancha com os bolsos
forrados de santo antónios!
1 comment:
É bem verdade! O caminho marítimo para o Funchal foi um oceano pacífico.
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