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315 estórias

Tuesday, April 13, 2021

Mixórdia Colegial

 




O Comandante Guélas


Série Colégio Militar

 

Nesta estória o princípio, o meio e o fim são dedicados a um fâmulo famoso dos anos setenta, abarca vários assuntos, os pioneses do comportamento, a filha do caseiro da Feitoria e outros cavanços. Era mais seguro o Moreira andar com a caixa de bolos no Largo da Luz do que dentro do Colégio Militar. E houve um dia que nem teve tempo para os guardar no seu cacifo, pois foi logo emboscado num corredor, vinte “senhores alunos” empurraram-no contra uma parede, enquanto outros gamavam-lhe a bolama, ao mesmo tempo que distribuía abrunhos raivosos aos que estavam ao seu alcance e gritava:

- Bós sois piores que os ciganos!

Mais tarde teve direito a um assessor, o Cylon que, tal como o professor Loureiro, os olhos apontavam para lados diferentes.

Com a revolução veio outro conceito de avaliação comportamental, a justiça sumária das chapadas e dos murros em sentido foram substituídos por um quadro em que cada aluno era senhor de um pionés, que subia e descia consoante o seu comportamento. Abaixo da linha de água era suspenso, acima das nuvens recebia um louvor. E como estávamos na balda, perdão, democracia, apelava-se à responsabilidade revolucionária, o placard estava a descoberto. Resultado, o 69, o Fernandinho, o nome mais vergonhoso do Colégio Militar, que tinha o blaiser cheio de lacinhos coloridos, que marchava sempre com os braços esticados à altura dos ombros, que tinha a parte posterior das botas mais gastas e mantinha o desempenho mesmo com os colegas a darem-lhe pontapés na peida, dum dia para o outro estava na linha de água. Em contrapartida o 125, 191 e o 601, cabulões encartados, estavam à beira do Quadro de Honra, por isso o tenente Mota nem queria acreditar:

- Estão a gozar com a democracia!

O Processo Revolucionário em Curso teve de recuar neste espaço educativo exclusivo, o contador de comportamentos foi preso numa vitrine com chave.

Diziam que a Rosa tinha uma rival, a filha do caseiro da Feitoria, à qual aparecia sempre o 151 nos seus sonhos molhados. Era a musa do espaço, dona da única cabine telefónica, instalada na casa do pai. 

Quando o aluno aterrou do lado de fora do Colégio Militar, após ter saltado o portão, para usufruir de um pouco de liberdade, deu de caras com um par de sapatos.

- 634, onde vais?

Levantou os olhos e viu o Diretor, para azar dele o Casanova morava em frente ao colégio. Mas um Menino da Luz tem sempre uma carta na manga:

- Ia ver o Benfica, - respondeu sabendo que o oficial era um adepto ferrenho do clube.

- Então não ias, vais, - e deixou o rapaz ir à sua vida.

Após o Glorioso vencer, comeu um clássico bitoque no Ricochete e entrou lá para os lados do campo de aeromodelismo. Mas houve um dia em que o diretor bateu um recorde, caíram-lhe oito fugitivos aos pés. O primeiro saltou e apercebeu-se de um carro que parou ainda ele ia no ar e antes de ser apanhado avisou os camaradas:

- Está aqui o Dito!

- Epá, não brinques com esta merda, - e avançaram!

Havia quem se ausentasse para ir beber um copo no “Mae Preta”, nome inadmissível nos tempos de hoje onde as histéricas, de todos os géneros, reinam como "senhoras",  cujo nome caracterizava o tipo de restaurante. Outro após o salto ouviu o barulho de um carro a chiar e alguém a gritar:

- Que merda é esta a saltar o portão, já lá para dentro!

Era um ex-aluno a gozar, que lhe deu boleia. Havia 3 técnicas para que os vigilantes não dessem pela falta dos alunos: um boneco feito com almofadas cujo cabelo era a escova dos sapatos, pedir a um colega mais afastado que ocupasse a sua cama após o vigia passar por ele ou desmontar a cama e esconde-la!

Nesta manhã os cúmplices do 549 distraíram o Moreira, e ele escondeu-se dentro de um saco no cubículo onde ele guardava a mercadoria. Bastou ir à sua vida para que a porta se abrisse e a bolama desaparecesse num abrir e fechar de olhos.

O 271 foi um dia com um camarada ao “Aranha” comer um pastel de nata, e no regresso foram apanhados por um graduado, o 527, que lhes ordenou que fossem comprar uns bolos para ele. Os pastéis de nata da excelência vieram carregados de sal, por isso o castigo foi um mês de apresentações à alvorada. O 634 estava imparável, cavou com uma trupe em direção ao cinema Condes, onde compraram os bilhetes mais baratos e assistiram entusiasmados um filme para adultos, que lhes deu uma fome danada, por isso após a sessão foram comer bifanas lá para os lados da estação do Rossio. No fim de semana o pai quis saber como corria a sua vida académica, e ele não se fez rogado, esgalhava como um Ronaldo nos treinos de remo no Alfeite, que decorreram no dia da ida ao Condes. Azar dele, um camarada do pai tinha ido ao cinema naquele dia e vira-o!

E como prometido a estória acaba com o Moreira desesperado à procura do 695, a quem tinha vendido dois bolos a crédito, porque o aluno alegara ter o dinheiro na farda de pano guardada no armário da companhia. Nestes tempos o número mais alto era o 694!

 

 


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