Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O almoço do
curso de 1971/78 foi de confraternização, vinte e seis de outubro do Ano da
Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de dois mil e dezanove, sem direito a
estacionamento dentro do recinto da Feitoria porque o Gordini recusara-se a
pagar os cinquenta euros mais IVA que o sub exigia aos ex-alunos, e não aos
generais, políticos e afins, e após uma refeição grumete muito original, caldo
verde, amarelo e arroz doce, regada com líquidos mais uma vez identificáveis,
como mandava a tradição, o 281 confessou:
- Dormi oito
anos com vocês!
Olharam uns
para os outros, e o 598 acrescentou:
- A frescura
da juventude!
No Colégio
Militar o ambiente nos anos setenta do século passado era propício ao
desenvolvimento pecaminoso, por isso usava-se uma língua bicuda, cheia de
ângulos retos e triângulos isósceles, estes Meninos da Luz tinham sempre algo
para fazer, por isso recusavam o ócio como um pecado. O Colégio Militar era uma
fogueira que não ardia, até que algo despertasse a chama. Por isso quando o
Vinasse anunciou na camarata o “achamento” da entrada para o Túnel, o Santo
Graal colegial, que ligava às Meninas de Odivelas, uma entrada direta para o inferno, após o consumo
dum cigarro com bolor dado pelo 125, mal sabia dos acontecimentos que se iriam
desencadear.
- Nem quis
acreditar que o prémio Barretina que me querem dar intitula-se “Amor ao
Colégio”, - confessou o Zacarias. – Amor??
O curso de
1971/78 mobilizara-se e mostrava porque é que alguém da “Geração de Oiro”, uma
lavra irrepetível de génios e calões, merecia ganhar a “bola de oiro colegial”.
Continuemos com as memórias despertadas pelo “Amor ao Colégio”!
Nessa noite o
Horrível sonhou que estava no Instituto a «mordiscar ladrilhos de marmelada» com uma resma de fêmeas vestidas
de castanho tentação, que o tinham recebido no mosteiro de S. Dinis, junto ao túmulo onde repousava o
rei das barbas ruivas. Iria dar oito de seguida sem ver a luz da Lua, a contar
com as mijas, mas mal desconfiava que as meninas também já escavavam há muitos anos,
usando como ferramentas as pulseiras com o grupo sanguíneo, e estavam com
vontade de chupar até ao tutano o primeiro Menino da Luz que lhes aparecesse
pela frente, arriscando-se assim o 125 a deixar os ossos misturados com os do Lavrador.
O primeiro sinal de que algo mudara foi
sentido pelas filhas do Galo, que todas as semanas montavam na pista de
obstáculos, quando um dia ouviram durante toda a atividade um sonoro cacarejar
de uma resma de Meninos da Luz, ao estilo Hitchcock , cujo som tinha origem no campo de futebol. No
Laboratório de Línguas quando o professor se preparava para dar início ao
“American Language Course”, com os rapazes já distribuídos pelas boxes
tecnológicas, um “senhor aluno” gritou ao microfone:
- Óó Tabiii,
chupa aquiiii”.
O docente tirou
os auscultadores já com os olhos fora das órbitas e atacou com raiva o 224, que
começara a grafitar a sua cabecinha, com olhos, nariz e boca, prometendo fazer
um teatro com o fantoche quando entrasse num dos quartos. A Diolinda tinha um terror psicanalítico dos
Meninos da Luz, via-os como a encarnação da «moral do prazer», o gene da
atração fatal pelo espaço, cujo origem remontava ao tempos áureos de D. João V,
o “freirático”.
Cantou-se o Zacatraz, mais potente que
Viagra, ainda capaz de fazer levantar em sentido os ex- Meninos da Luz, com as
cabecinhas a olhar para o céu, e as bocas escancaradas. Para trás ficara o
trovadorismo amor cortês da altura em que o Instituto de Odivelas era uma
referência nacional, e não o monte de ruínas da atualidade:
- As meninas de Odivelas / Pum,
pum / As Meninas de Odivelas / Pum, pum / São umas pu / Tiro liro li / São umas
pu / Tiro liro li / São umas pu / Tiro liro li / São umas pu…ras donzelas / As
Meninas de Odivelas / Fazem bro…ca à janela / Os namorados dessas meninas / Dão
o cu / Dão o cu/ Dão o coração por elas.
Para a Diolinda aqueles bardos
fardados de cotim eram uma espécie de Bruxos Salemas, mas com tomates cheios, por
isso a diretora não olhava a meios para afastar todas as tentações que pudessem
conspurcar as almas puras das suas donzelas: mandara cortar as bananas às
rodelas, proibira os espargos, as canetas de filtro grossas foram banidas das
aulas de Desenho, as visitas de estudo às Caldas da Rainha expurgadas do plano
pedagógico, tudo, tudo o que pudesse tresmalhar as Meninas de Odivelas para os
lados da “liberdade de costumes”, afastando-as do colinho do Senhor. Mal sabia
nessa noite que o 89, o 165 e o 376 estavam a caminho do mosteiro, não através
do túnel, que ainda precisava de muita mão de obra para ser uma realidade, mas
de táxi, decididos a invadir-lhe o espaço, com a cumplicidade de algumas
discentes que tinham deixado estrategicamente algumas portas abertas. O
Punhetas levava açaime, o estado em que se encontrava depois de ter sabido da
descoberta do Vinasse aconselhava a medidas de proteção, e a um SOS extra, um
frasco de clorofórmio gamado ao Valentim, e testado pelo 599 nas galinhas do
pai da Rosa, que nestas noites pós “achamento” estava nos sonhos de toda a rapaziada.
- São tantas as recordações, as
estórias, as cumplicidades, foi uma vida, - confidenciou o premiado.
E que vida:
- Meu tenente, daqui fala da
portaria, - disse o Chico tão de rajada que o Ananás teve a sensação de apanhar
com perdigotos.
- Calma homem, mas afinal o que
é que se passa? Não me digas que o Caco está aí outra vez na portaria em cima
duma Panhard, como no 25 de abril?
- No gabinete do sub está…..
- O que é que se passa no
gabinete do sub a esta hora da noite? Estão lá alunos, foram fazer uma visita
de cortesia?
O oficial ouviu uma voz,
destoada e áspera, saíram clarões raros das profundezas do telefone.
- Chico, não digas que me vais
obrigar a ir aí? Explica-te de uma vez por todas, – pediu o ex-aluno 78, agora
no papel de cão.
- Vê-se tudo, a luz está acesa,
- explicou o funcionário olhando para as janelas espelhadas, que de noite eram
transparentes.
- Vê-se o quê?
- Uma senhora no gabinete…
- E??
- Está de cuecas…
- Cuecas? Uma senhora de cuecas
no gabinete do sub a esta hora?
- …e de botas altas!
- Cuecas e botas altas?
- Só ela?
- Estão a correr…ele vai atrás
dela. Vê-se tudo!
- Ele? Ele quem?
- O sub…está a brincar aos
índios com uma senhora. Vê-se tudo!
Enquanto o subdiretor se
divertia na Luz, em Odivelas o
grito da Fernanda ao ver na sua janela um rapaz alto e espadaúdo, de
olhos vivos, capazes de engolir o que viam, com um sorriso de marfim, e o número 147, foi o pingo que fez
transbordar o copo. A pobre da Deolinda não aguentou a pressão dos demónios
vindos da Luz, que já lhe tinham deixado na secretária um frade das Caldas com
o dito em sentido, e deu o seu grito do Ipiranga:
- O Colégio Militar é persona non
grata!
A Escolta a Cavalo estava proibida de
fazer procissões até ao Instituto de Odivelas e eles não poderiam doravante assistir
à grande seca da Abertura do Ano Letivo. Em
1964 o Comandante de Batalhão, o 8, tinha ido ajoelhar-se, em traje de gala, em
frente à diretora do Instituto de Odivelas, pedindo desculpas pela invasão do
ano anterior, vésperas da comunhão.
Por tudo isto e muito mais que isto, o “Amor ao
Colégio” tinha de ser incondicional, para o bem e para o mal, e estava
embrenhado bem fundo nas memórias de todos aqueles que um dia passaram pela
Luz, especialmente estes que tinham lidado diariamente com a Rosa!
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