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315 estórias

Sunday, July 28, 2019

Charles Ganzas




Série Camarada Choco

Aventura 98


Charles Ganzas



A TVI tem destas coisas, quando as audiências são poucas obriga os empregados a fazerem das tripas coração, e foi por isso que Queluz reinventou a biografia do trissómico mais mafioso da Brandoa, que nascera geneticamente entupido ao nível do hardware, com uma mentira sem limites, descaracterizado, normalizaram a sua família fraudulenta, afogaram-no em mentiras, um pobre coitado nas mãos de gentalha em roda livre, atolados nos seus próprios complexos. Uns dias antes a Fininha dos Serviços Administrativos atendera o telefone, e dera de caras com a mamã do Kodac, que lhe deixava um inusitado, e urgente, recado:

- Diga ao meu filho que quero saber onde é que ele escondeu o saco com as doses de erva do sobrinho, porque o miúdo tem de ir trabalhar.

Dizia-se que o mano do Kodac tinha ficado farto das estadias periódicas em Vale dos Judeus e emigrara para a Alemanha, deixando o rebento na Brandoa a gerir o negócio familiar. O Kodac era o bem-amado da zona, os brós idolatravam-no alimentando-lhe piedosamente o vício do tabaco e do sumo de cevada. Mas havia pré-condições, um pacote com vários maços em troca de algumas doses catadas ao sobrinho. Nesta família tão atenta, teve logo de amadurecer a partir do primeiro mês, porque caso o não fizesse não iria longe. E aprendeu que o cromossoma extra no par 21 não iria ser uma desvantagem na Brandoa, mas sim um passaporte para a impunidade, seria o rei da zona, com uma espiritualidade no andar, que brotava diretamente dos próprios pés, que exalavam um permanente cheiro a queijo indiano, e tudo graças a uma mistura explosiva de unhas encravadas, calos jurássicos, fungos locais, alcagoitas familiares, razão suficiente para a mãe nunca ter atendido aos pedidos desesperados da escola para que fosse mostrar os cascos do filho a um especialista. O Kodac apercebeu-se dos poucos neurónios da entrevistadora, por isso deixou a mãe enfeitiçar a pateta da jornalista com fake news:

- O meu filho é esperto, podia ter ido muito longe, mas só encontrou obstáculos na vida. O último sujeitou-o a um trabalho escravo no hospital, oito horas diárias para ganhar uns míseros 136 euros. Despediu-se!

- E fez muito bem, - respondeu a Poeiras.

Mas a verdade era outra, trabalhava três vezes por semana, quatro horas, o resto do tempo que deveria ser na Escola para Desaparafusados da Venteira, era cumprido no hospital a catar nas carteiras dos colegas, dinheiro esse que mantinha vivo outro vício diário, as raspadinhas. Entrava às nove horas, fumava no balneário, catava dinheiro aos colegas, tomava o pequeno-almoço às dez, desviava mais euros da caixa registadora, e fingia que trabalhava no restante.

- Passava todo o tempo a andar, - queixou-se a “extremosa” mamã, que dizia agora estar sempre sentado na escola, a fazer de segurança na portaria.

Desculparam-no durante anos por ter um extra no vinte e um, mas acabou por ir para a rua, despedido. Até para um monga havia limites! Os manos eram assim verdadeiras obras-primas da Natureza e da mão humana, um com três no vinte um, o outro com várias estadias em Vale de Judeus. Quanto ao pai, nunca reconhecera o filho, não se sabe se por não se rever na cara do rebento, e por isso ter pensado que um carteiro chinês tocara três vezes à porta, ou por consumir diariamente sumo de cevada que dava para um batalhão, mas por precaução o petiz estava proibido de fumar na sua presença, não fosse o papá explodir. A tia do Kodac não se conformou com o que lhe tinham explicado, que o rapaz não iria longe, tinha um cromossoma a mais no par 21, e por isso arranjou a morada de um médico “que até marrecos cura, e tudo com um limão”, como lhe explicara a amiga Laurinda, que fazia bordados para fora. Quando o doutor viu o trissómico da Venteira deu a receita:

- Eduque-o como ao outro!

Foi a sorte dele, na Brandoa não havia coincidências, tudo acontecia quando tinha de acontecer, na altura certa e no lugar certo, por isso agora na idade adulta aos fins de semana, sem variações, o Kodac não chega a casa, fica sempre estatelado num qualquer passeio da Brandoa, de braços estendidos, fitando os céus num movimento de translação onde, devido à mistura de erva e cevada dada pelos brós, uma estrela se transforma invariavelmente na amada Barbuda, que lhe expõe, sem preconceitos, a abundante turfa, que nasce nos pés e acaba nas beiças.

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