Série Camarada Choco
Aventura 97
Aventura 97
Não sei por
onde hei-de começar esta estória. Talvez pelo princípio: o Pintor, o único
licenciado de baixa densidade da Porcalhota com a força de uma epifania, acabou
o mandato pedagógico na Escola para Desaparafusados da Venteira, reformando-se!
Mas eu sabia que ele não iria deixar-se consumir pela bisca-lambida e milho aos
pombos no Parque Central, era um velho capaz de responder às novas tendências
sociais, proporcionando um conjunto de bens e serviços suficientemente latos,
capazes de responder aos diversos anseios de cada consumidora, ávida por uma
visita sua à cave. Por isso, estava eu calmamente a curtir uma “santinha”,
epilepsia exclusiva da minha família pela parte da mãe, que se começou a
manifestar após a morte da pastorinha com cara trissómica, que resolveu
aparecer-me nos canos do balneário para machos da piscina que frequentava, com
a saia levantada e as cuecas nos joelhos, quando fui repescado à realidade por
alguém com um sotaque da Brandoa profunda. No écran da televisão estava, não o
Dartacão como inicialmente pensei, mas sim o hilariante Pintor, com uma legenda
de Formador Principal, que tentava a todo o custo convidar para o pecado,
usando o seu mítico savoir faire, uma formosa, mas não segura, tia do
Bolhão:
- Sou filho
de alguém que morreu por amor!
Amor ao
Moscatel sem limites, à cachaça ao pequeno almoço, ao meio-gordo à taça, enfim,
uma panóplia ilimitada de químicos capazes de transformar em iscas qualquer
fígado com pergaminhos. Mas felizmente deixou à Humanidade uma figura singular,
uma ostra única, um fidalgo com marca própria: Charles Love!
Um reformado
com um estilo romântico próprio, promissor, capaz de preservar o património
local:
- Fui
candidato ao Festival da Canção!
Da televisão muda, que mesmo assim o rejeitou
mal o viu!
- Eram só
cunhas, como é que se podia recusar uma figurazinha destas? – Explicou um dia
fazendo uma auto massagem.
E continuou:
-
Contracenei com a Marreca de Monsanto na longa metragem “Pinceladas para que te
quero”.
E continuou:
- No sítio
onde exerço a minha profissão de Forrador, perdão, Formador Principal, dirijo
um Atelier imponente, decorado ao estilo romântico, como eu.
Soube mais
tarde por uma fonte credível, ele próprio, que, graças à performance do
Pintor, o canal televisivo recuperou o top das audiências:
- Desde esse
momento o telemóvel nunca mais parou de tocar, eram fêmeas dos seis
continentes, incluindo a Atlântida.
E de
Formador Principal passou a Doutor num abrir e fechar da boca, apesar do sinal
vermelho que a tia do Bolhão lhe deu, sem apelo nem agravo.
-
Arrependeu-se, telefonou-me a confidenciar-me que tinha deitado para o lixo o
bilhete premiado do Euromilhões, com a terminação da Lotaria.
Mas como
nunca aceitou mudar o que a Natureza lhe dera, um esgalhador sem limites, foi
para o veículo da repescagem à procura da fêmea perfeita, uma teenager de
encher com o pipo por baixo do sovaco esquerdo, uma Eva da Repimpa, e saiu-lhe
uma reformada oxigenada sem apetite para velhos, levando de imediato mais uma
luz vermelha, e uma admoestação do Conselho de Sábios:
- Nós a
pensar que tínhamos um Rodolfo Valentino com cheiro a rosas, e saiu-nos
um canastrão marreco com bafo de bode!
Por isso foi
com enorme satisfação que soube do regresso, na 2ª Temporada, do sexagenário
Charles Love, agora na versão de candidato ao altar, mas com pré-condições
inegociáveis:
- Não quero
uma velha de 60 anos, exigi uma fêmea que esteja disponível para engravidar nas
Ilhas do Seixal, - explicou o Pintor Principal, e Formador no lado oculto do
espectro moral nas horas vagas.
A SIC sabia
que a personagem era muito forte, e com o desenrolar iria tornar-se cada vez
melhor, a Ferreirinha que se cuidasse, a Casa da Cristina arriscava-se a ser
substituída pela Casa do Pintarolas. Mas como só teremos televisão à séria em Setembro,
e já havia muitas pessoas ansiosas, pus-me a imaginar. Alucinei uma estreia, vi,
aparecendo numa manhã de nevoeiro na Praia do Trancão, o Desejado, um gato com
um olhar desconfiado, postura traquina e provocadora, expressão hipnótica de
desprezo, bafo a maré vazia, olhos de águia, que gentilmente disponibilizava
aos milhares de fêmeas a possibilidade de saborearem aquela forma de arte humana, um cisne depenado,
que só a tecnologia podia proporcionar penas. Ainda a fêmea não se apresentara e já
ele a namoriscava, havia algo de mercurial, sensual, perigoso, provocante,
arrogante, mal educado, que tinha a capacidade de engravidar qualquer uma só com o olhar, de
qualquer idade, sem que ela desse por isso. O segundo episódio, e já com eles
mais vazios, e cheios de bolhas, a baterem, tal qual badalos num sino, nos
joelhos, era uma cena de chuva à porta do Louvre, uma taberna na Brandoa, com o
nosso macho a mastigar um pastel de bacalhau e a perguntar a uma candidata:
- A que
horas abres?
E dá-lhe uma
martelada sensual com o alho porro.
- Já vou ser
pai-avô!
No terceiro
capítulo, e já com as audiências a baterem recordes estratosféricos, aparece
montado na sua Harley-Charleston a sentir o cheiro a bacalhau da candidata, que
mal cabe entre a mala e a marreca do condutor, e ressona com a boca aberta.
- Quando
chegarmos à praia do Jamor vou-te mostrar a facilidade com que pego no pincel,
sinal de que das minhas mãos sai sempre uma obra de arte, como prometi à
produção.
Charles Love
era o único macho com direitos meteorológicos exclusivos, nas suas veias
sentia-se a inconfundível inconstância do
Badaró, por isso abandonou as filmagens e fugiu para o Luxemburgo atrás de uma das suas musas.
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