O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Estas estórias devem ser mantidas debaixo de olho, o que elas são e o que têm para
contar, estórias de rapazes que se cumpliciaram para lá dos silêncios. O
Colégio Militar condensou e engrandeceu a nossa experiência de vida, para o bem
e para o mal!
Façanhas
extraordinárias marcaram para sempre o lugar, ninguém consegue ficar
indiferente a feitos quase impossíveis, a feitos extremos que desafiaram os
limites da condição humana: saltos da 1ª Companhia para colchões empilhados
junto do canhão, tunnings com o carro
do capitão Caetano, rally no bólide do chulógrafo, ataques de cavalaria contra
o pessoal da esgrima, pôr capotes na cruz do zimbório, visitas de cortesia às
Meninas de Odivelas. Numa sala do primeiro andar dos claustros um
tenente-Coronel armado em peru, dava início ao teste de geografia, após ter
avisado os discentes de que não toleraria cabulanços, não fosse ele um ex-aluno
conhecedor de todas as técnicas extras de auxílio da memória. Ainda teve tempo
de abrir uma janela e falar com alguém:
- Ó ordenança, o
meu cavalo já está arreado?
Felizmente não
ouviu o Esperma:
- Eu montava era
as tuas filhas!
O Colégio
Militar representava um estabelecimento de ensino sobrevivente a 214 anos de
instabilidade crónica, num país dirigido por gente que “não se governam, nem se
deixam governar”, onde estudavam rapazes especiais. O 205/1897 dizia que quando
entrou para a Luz era moda entre os alunos serem do contra, o galifão tinha a
admiração dos camaradas, quanto mais dias de prisão apanhava melhor, porque ao
domingo ia à missa escoltado por dois alunos armados, e isso dava estilo.
Nestes anos
setenta do século passado o Galo andava instável, a Rosa tinha sido atacada
numa noite escura lá para os lados do ginásio, e todos os Meninos da Luz eram
suspeitos, e ainda por cima as suas galitas costumavam acompanhá-lo na atividade
na Pista de Obstáculos, observadas sempre à distância por um rebanho de meninos
rebarbados fardados de cotim, que cacarejavam sem interrupção, tentando sentir
o cheiro a maresia nos momentos do trote, que tinha um efeito no comportamento
noturno dos imberbes.
A alguns o
colégio desaparafusou-os para sempre, não se sabe se por ter dado um empurrão
nos genes, ou por circunstâncias do envolvimento cultural, pinturas, firmezas,
mocada, apresentações à alvorada, flatetes, biqueiros, murros, estaladas e
muitos outros feedbacks que se diziam pedagógicos, que o diga o diretor que um
dia discursava com eloquência para o curso de ex-alunos que visitava com
“saudade” o Colégio Militar, quando as portas do Salão Nobre se abriram de
rompante e, tal como um dos Gafanhotos do Dario, o Girafa entrou às
cambalhotas. A miudagem tinha comportamentos exclusivos, por isso ao jantar havia
muitas vezes, algures numa mesa perdida no vasto refeitório, uma atividade
cultural clandestina, o jantar pré-histórico, em que era proibido usar os
membros superiores, havendo por isso alguma dificuldade em apanhar as lulas com
os dentes, e quando as apanhavam alguns arremessavam-nas de imediato, ao estilo
lançamento do martelo. O Selvagem, o 202 de 1901, quando se apanhou com
estrelas nos ombros, divertia-se a amarrar os ratas a um tronco de uma árvore,
onde os suspendia de cabeça para baixo. Eram os psicopatas de serviço!
Noutra ponta dos
claustros a aula do Falcão no primeiro andar não tinha deixado saudades, a
única positiva, um “suficiente”, fora para o 157, que lhe foi pedir explicações,
tendo como resposta uma ordem de saída, ou pela porta ou pela janela:
- Vou pela janela, - disse o
aluno correndo para ela e atirando-se.
O Falcão ficou branco, mas
desconhecia que este Menino da Luz fazia parte do Grupo Especial do professor
Dario, e por isso após o salto agarrou-se à borda da janela e assentou os pés
no parapeito exterior. Houve retaliações na escadaria, o Cascão quando viu que
o docente já estava a uma distância de segurança, atirou-lhe com o dicionário
de português do Cão, que acertou em cheio no coco do professor.
O Galo ganhara a alcunha na
Escola do Exército por usar um bivaque que dava a impressão de uma crista, uma
espécie de militar freak! Esteve durante todo o tempo a fazer uma marcha
marcial pela sala, com as botas altas a marcarem o ritmo, enquanto os Meninos
da Luz copiavam à fartazana graças aos tampos transparentes, com excepção do 69,
o número mais vergonhoso do Colégio Militar!
À tarde o
Ramalho impressionara a malta com um mortal à retaguarda, com a bata vestida e
os bolsos cheios de tesouras e pentes, após a insistência de vários “senhores
alunos”. O Madiura dera de caras com o tenente-Coronel, quando este entrava no
colégio, na altura em que apalpava a santa, que há muito contemplava com
orgulho o Largo da Luz.
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