O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O Colégio Militar foi pródigo em glorificar desqualificados
e desconstruir capazes, principalmente nas alturas em que distribuía as
estrelas pela rapaziada, porque tratava-se de um
estabelecimento de educação que gostava de varrer as inconveniências e as
impurezas para debaixo do tapete. Somos
herdeiros de nós próprios. Se o Menino da Luz tem uma essência, é ter memória
de si mesmo, por isso estas estórias têm de ser contadas porque sentimos necessidade de
contar as nossas próprias estórias através do tempo, projetando-as numa memória
futura coletiva, onde muitos se apercebem de sentimentos que não sabiam que
tinham. Têm de ser vividas algures num tempo que tanto tem de longínquo como de
próximo, permitindo-nos viver o espaço dentro da nossa mente, mostrando a
realidade do nosso imaginário, mais real do que tudo o que vemos e nos rodeia. Mas
nenhuma leitura é definitiva, aquela que conhecemos é só uma entre muitas
possíveis. O Carioca
acreditava que os anjos passavam os dias a cantar e a fazer música, por isso pensava que através dela conseguia sincronizar os corações e os movimentos dos
Meninos da Luz. O Gunga distribuía flatetes à
rapaziada por puro júbilo, mas a força expressiva deles transmitia-nos a sua
paixão de ex-aluno. O Colégio
Militar era feito de rapazes sujeitos a convicções e emoções extremas, por isso
sempre foi gerido com regras que todos aceitavam, mas muitas foram as vezes
em que se jogou às damas num tabuleiro que sempre foi de xadrez O estrondo que se ouviu naquela noite muito
escura, vindo dos lados da enferma, provocou um calafrio nos rondas que se
encontravam em animada cavaqueira lá para os lados do refeitório. Os Meninos da
Luz sempre tiveram uma atração fatal pela Rosa, pelo fogo e por rebentamentos.
À filha do senhor Nunes quase que chegaram a trincar-lhe as cuecas; o primeiro Chaminhas
(475/77), porque houve outro na década seguinte (475/86), sentiu na face o
clarão do Sherman; a Quadrilha do Beto atingiu o clímax na arte de manipular o
potássio. Nesta estória iremos falar da estranha relação do elemento 19 da
Tabela Periódica e os Meninos da Luz.
- Ó Morais, és um bronco,
disse-te para cortar mais fininho o produto! – Berrou o Semita, aproximando-se
do ajudante, com a alcunha de Ruca, que tinha sido o causador de mais uma
explosão com potássio.
O 144/43, um político com
vergonha de ter estudado no colégio, ganhou a alcunha de Bazuca graças à
explosão que causou durante uma aula prática de Química. Mas naquela noite dos
anos oitenta o 25 e camaradas, treparam pelo algeroz do Pavilhão, desapertaram
os parafusos dos respiradores, tiraram-nos das portas, e como num passe de
mágica o Elemento 19 da Tabela Periódica ficou a seus pés. Mas também trouxeram
Whisky, encontrado nos cacifos dos professores. Como o ponto de água mais
próximo era o lago do jardim da Enfermaria, foi aí que se deu a explosão. Na
entrada das companhias fizeram questão de dar um salto em cima do tapete de
metal, acordando o Oficial de Dia, que os perseguiu levado por um vento e por
uma tempestade inesperada, brilhante, veloz e aterradora, mas sem hipótese de
os conseguir alcançar porque a vantagem que levavam era grande. Como a dona
Edite da biblioteca só costumava fechar a porta no trinco, deixavam um fio de
nylon atado à patilha, que bastava puxar para aquela se abrir, e assim terem
acesso ao local onde se imprimiam os testes. Foi daqui que saíram muitos dos
engenheiros que hoje são o orgulho da nação, assim como os melhores jogadores
de rugby saíram das molhadas aos cestos do reforço. Um dia o Beto, o Preto e o
Banana souberam que um grupo de cromos também se preparava para assaltar o
pavilhão de Química, para mostrarem que também eram “prá frentex”, e prepararam-lhes
umas surpresas. Sabe-se lá como arranjaram o material para o susto, mas
apareceram a disparar uma caçadeira com cartuchos só de fulminante e a gritarem
“alto, quem vem lá”, pondo os cromos em fuga aterradora, pensando que se fossem
apanhados lá iam ao ar as rolhas de mérito, e os respetivos lacinhos
amaricados. E o Colégio Militar só perdia quando os privava de fim de semana,
obrigando-os a permanecerem nas instalações, pena que já não previa a sábia
prisão como uns anos antes. Resolveram ir brincar para o ginásio e montaram uma
aldeia dos macacos. Quando estavam em plenos tarzans, com voos em direção aos
colchões, eis que entra um tenente, de quem o professor Reis Pinto costumava
dizer “o Dario é o Einstein da ginástica, consegue transformar merda em matéria”,
e lhes faz uma proposta:
- Querem resolver o incidente
oficialmente ou oficiosamente?
A primeira hipótese implicaria o
clássico Ofício ao “Serviço da República” no qual se lia “Encarrega–me o Exmº.
Director de comunicar a V. Excª que o seu educando foi abatido ao efectivo do
Batalhão Colegial”, enquanto que a segunda consistiria na tradicional justiça
sumária. Mas em vez de apanharem umas chapadas em sentido, foram sujeitos a uma
aula intensiva de ginástica, aproveitando o circuito já montado, uma pista de
obstáculos com mesas alemãs, cordas, mini trampolins e muito mais, que os
deixou impossibilitados de ir à missa no domingo. O professor de Ginástica,
também conhecido como Lâmpada Fundida, nunca brincou em serviço!
Por isso o Semita tinha razão
quando dizia:
- Nesta aula uns dormem de olhos
fechados, outros de olhos abertos!
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