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315 estórias

Friday, November 23, 2018

Caralhometro




O Comandante Guélas

Série Colégio Militar



A essência do CM é possível captar através de fragmentos de dias vividos ao ritmo de quem tinha pressa, atalhos há muito acondicionados no espaço do tempo passado, transformados agora em estórias que têm como vocação tornar-nos imortais. O orgulho não advém da consumação do erro, mas da coragem que é necessária para admitir esse erro. O tempo era para “Estudos”, mas o final do dia de um inverno rigoroso estava a tornar-se penoso para o 5º C, uma turma especial, por isso tinha direito a uma alcunha, “O Bronx”. E para tudo havia sempre opções no Colégio Militar, que neste caso dava pelo nome de “Caralhometro”! Era um instrumento de conformidades, extremamente dócil, fruto de meninos inovadores, uma moda que criou um hábito coletivo a um novo modo de expressão, o "arrebentar de disjuntores" Por isso o Beto, o Cão e o Bagulho tinham acabado de construir um desses tradicionais objectos, não das Caldas, mas da Luz, com uma borracha, uma régua e um clips, e preparavam-se para o utilizar. Entrou pela ficha dentro sem preliminares, e o quadro eléctrico não aguentou a emoção e estoirou no átrio com barulho. O Zimbório era agora uma sombra escura neste final de dia dos anos oitenta do século passado.
- Acabou, não existem condições para continuarmos o “ Estudo” - declarava uns minutos depois o professor.
- Óoooooooo, - responderam os alunos em debandada.
No dia seguinte novo “Caralhometro”, nova corrida, mas desta vez o sistema reagiu, não aconteceu nada, nem um simples arfar saiu do quadro eléctrico, o Zimbório parecia uma árvore de Natal no mês de Dezembro. O Beto insistiu, tirou o instrumento e enterrou-o à bruta. Nada, nem um grito. Passou-se do TPC para o TPE (Trabalho para o Estudo), tentar descobrir as causas que tinham levado ao insucesso da operação.
- Se calhar só puseste a cabeça e deixaste o pescoço de fora, - exclamou o Cão, mexendo no “Caralhometro” do Beto.
- Não, enterrei-o todo!
- Entrou dobrado, não o tinhas bem esticado, - retorquiu o Bagulho.
- Temos de tentar de novo, - insistiu o Cão, agarrando com violência no instrumento do camarada.
O “Caralhometro” do Beto entrou como ditavam as regras, rijo, à Colégio Militar e sem preliminares, levado pela mão impetuosa do 37, e foi até ao fim. Nada, absolutamente nem um gemido, as luzes continuavam orgulhosamente acesas, e o frio apertava cada vez mais, naquele último tempo lectivo do dia, teoricamente destinado ao estudo, mas com uma percentagem de aderentes muito baixa, como era característica do local.
- Porra, eu não vim para aqui para estudar, - protestou o 25.
- Vou mijar, e pensar no caso, - exclamou o Cão.
As idas à casa de banho eram uma constante, parecia que havia uma epidemia de incontinência, talvez um ovo marado de uma das galinhas do Nunes, o pai da mítica Rosa dos anos setenta, onde os “caralhoometros” dos petizes entravam diariamente pelas almofadas, as vítimas silenciosas, em homenagem à sua musa, tivesse contaminado o amarelo feito com os restos dos bifes da testa da semana anterior. Por isso o vigilante também tinha como obrigação fazer uma rusga aos cagatórios, não vá algum menino ter-se extraviado à volta de um cagalhão. E foi aí que o 37 deu de caras com ele, e ficou a saber, através de uma discreta conversa que envolvia o Glorioso, que um tal Carlos Mitra e um funcionário da EDP tinham reforçado os quadros de electricidade. E os Meninos da Luz reagiram, pois tinham duas virtudes, o conhecimento do sistema e a imaginação. A resposta a esta provocação veio através de um “Caralhometro” de nova geração, os violadores de fichas do Zimbório tinham agora na mão um compasso, que penetrou ainda com mais violência, à traição e ….. nada, absolutamente nada, nem um tímido gemido. Mas houve uma reacção inesperada, o instrumento ficou ao rubro e partiu-se, e os Meninos da Luz do 5º C, a única turma com alcunha, o Bronx, não tiveram outro remédio do que irem fingir que estavam a estudar para o teste de Português do Tic Tac, que já tinham gamado na noite anterior, uma operação destemida que incluíra uma corda para descer até ao gabinete do docente (Camarada Choco & Comandante Guélas: Assalto ao Tic Tac). 

   





2 comments:

Grego said...

Lembro-me perfeitamente desses caralhometros. Funcionavam perfeitamente.

Marco said...

E eu lembro-me perfeitamente dessas descidas de corda ao gabinete do Tic-Tac