Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
O cartaz prometia, o filme era de
máximo terror, a Idade Média era o cenário e os vampiros bronzeados tinham nos
pulsos as marcas dos relógios. O gang ocupava duas fileiras de cadeiras na
parte mais fina da plateia, a segunda, cujas cadeiras continuavam a ser de pau,
mas um pouco mais luxuosas pois tinham espuma, comprada no António da Lúcia,
que atenuavam a “dor-de-cu”, reservada para os utentes das duas primeiras
filas, o Ánhuca, o Ratinho Blanco, o Pedro da Avozinha, o João da Quinta, o
único preto, o Fernindó e o resto dos habitantes de Paço de Arcos profundo. A
festa começou logo na primeira dentada, quando o Zézé Camarinha local deu o
ósculo fatal no pescoço duma donzela distraída, que resolvera ir fumar um
cigarrito às cinco da manhã para a Cova da Moura lá do sítio. Tocou um
despertador. O Pirilampo veio a correr e acendeu a lanterna, não para arrumar
um espectador, mas para tentar localizar o prevaricador. Só havia santinhos. A
luz desapareceu e ele ficou em alerta máximo no local. Nova dentada seguida
agora de um barulho de pato, apetrecho para a caça e propriedade do Conan
Vargas. Desta vez o barulho vinha da parte de trás e da ponta oposta. A
lanterna tornou a acender-se e varreu a zona. O público adolescente estava todo
atento ao desenrolar do filme e não era para menos. Uma das vampiras tinha
aparecido agora em todo o écrãn com as mamas de fora e isso num filme no
Cine-Teatro de Paço de Arcos correspondia a encontrar uma agulha num palheiro.
E a seguir a esta cena veio outra, o caçador de vampiros resolveu dar um beijo
apaixonado numa camponesa a cheirar a alho, que o mauzão do castelo queria
trinchar. Aconteceu o habitual, o Todo-Boneco, um conquistador de bairro
genuíno, que picava em todas as sopeiras da vila e arredores, fez, pela
milésima vez, o seu único comentário que estava sempre reservado para estas
cenas íntimas:
- Espera aí que já cospes!
Risota geral, cartão amarelo do
Pirilampo. De novo o despertador, seguido do pato, de um apito de árbitro, de
castanholas, que puseram o atento Pirilampo à beira de um ataque de nervos, sem
conseguir dar o vermelho a ninguém, porque mal deu à luz caiu um silêncio
sepulcral, a condizer com o momento. Chegou o intervalo que permitiu
restabelecer a circulação sanguínea dos cus da plateia e normalizar os níveis
de nicotina nas veias. Foi nessa altura que todos reparam que o bombeiro
voluntário de serviço era o Álhi. Mal as luzes se apagaram o pato, o
despertador, o apito, as castanholas, foram substituídos por ininterruptos
“Álhis”, que não deram descanso ao Pirilampo e ao Bombeiro. Também se gritava
“Tó Pi Tói”, outra maneira de irritar o Álhi que, segundo os colegas de
carteira da primária do dito soldado da paz, queria dizer “senhor professor”.
Ainda hoje, já reformado, reage a estes dois chamamentos quando algum pai ou
avô o avista. Os comandos têm o “Mamma Summe”, os paço-arcoenses o “Álhi” e o
“Tó Pi Tói”.
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