Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Foi no ano letivo de 1974/75 que o Colégio Militar
atingiu o número máximo de alunos: 694! E foi também em 1975 que os Genesis
deram um memorável duplo espetáculo no Pavilhão dos Desportos em Cascais, no
dia 3 e 4 de março cujos bilhetes custaram oitenta escudos. A banda ainda pensou
filmar o concerto, mas felizmente a ideia não foi por diante, porque caso
tivesse acontecido o aluno nº 78 do 7º turma A teria agora de explicar aos netos
porque aparecia no Youtube a vender bilhetes falsos, junto a um dos blindados
do COPCON, o responsável pela segurança do local, e por visitas assíduas ao
colégio, onde estudava o filho do chefe, vítima de ataques continuados às
orelhas de abano, que andavam tão quentes como o país. Mas o negócio esteve
tremido porque alguém tinha sido uns dias antes apanhado pelo oficial de dia,
após o regresso de um cavanço, e a segurança apertara. A entrada do aluno pela
janela da quarta companhia coincidira com a do oficial de dia pela porta,
tendo-se escondido de imediato atrás das cortinas, ao mesmo tempo que o militar
se sentava num dos sofás. E assim ficou durante quarenta e cinco minutos, até
que se levantou e foi ter com o prevaricador, agarrando-o pelos colarinhos:
- A primeira regra da camuflagem são os ténis,
devem ser da cor da alcatifa!
Mas um ex-aluno será sempre um Menino da Luz, e
por isso tudo ficou por ali. Regressemos ao evento!
Na secção tipográfica do Colégio Militar havia
horas extraordinárias clandestinas pela calada da noite, a máquina já deitava
fumo. Todos olhavam gulosos para o produto que iria sair, o vigilante ainda estava
longe, o oficial de dia já dormia profundamente, e nas companhias o silêncio
era absoluto, excepto na Sala de Leitura da Quarta Companhia, transformada numa
casa de jogo clandestina, com um lusco-fusco envolto num nevoeiro de fumo espesso,
onde circulavam bejecas e produtos
típicos da época revolucionária. Lá fora alguns brincavam com o
blindado, que vinha pela quarta vez a toda a velocidade dos lados do ginásio,
apinhado de meninos vestidos de cotim, que fazia abanar as janelas laterais com
a deslocação do ar.
- As letras
estão desbotadas, - disse o 315 olhando para os bilhetes amarelados que tinham
acabado de sair da máquina de impressão.
- Calma que vamos arranjar uma solução, - exclamou
o 78 do 7º A. – Juro que iremos ver os Genesis, comer um gelado no Santini e
passear com uma queque.
Olhou para todos os lados e gritou:
- 496, tens canetas de filtro pretas?
- Na sala de aula!
Os claustros estavam mergulhados num silêncio
profundo e numa negritude assustadora. Dois vultos embrenharam-se lá para os
lados da sala da santa, que olhava no exterior para o Largo da Luz, e era
quotidianamente apalpada pelos alunos, porque nestes tempos as apostas choviam
a toda a hora, e era preciso ter os bolsos abonados para as jogatanas após a
última cornetada da noite, o toque de silêncio. Quando estavam cercados pela
escuridão foram surpreendidos por um feixe de luz no andar de baixo, ao mesmo
tempo de um abrir brusco de uma porta.
- É a ronda, - avisou o 425.
Um brilho apagou tudo e um segundo depois a luz
extinguiu-se, sinal de que o vigilante
rumara para outro recanto do Colégio Militar. A caneta foi entregue na
tipografia e de imediato lançaram mãos à obra. No dia seis de março, apesar do pavilhão
estar sobrelotado, alguém continuava a vender bilhetes junto à Chaimite
estacionada na porta lateral paredes meias com o hipódromo, balcão 80 escudos e plateia 120 escudos, mesmo depois de
terem anunciado lotação esgotada uns dias antes. Junto ao pavilhão havia
soldados fardados, por isso o Maná passou despercebido. No dia sete a
aglomeração de pessoas foi tal, que os soldados optaram por deixar entrar
todos, com e sem bilhete, onde se incluiu o 78 que, ao aperceber-se da
situação, e como Menino da Luz apto a desenrascar-se nas situações melindrosas,
vendeu o seu, e o dos camaradas, meia hora antes, a uns queques de Cascais
mascarados de hippies, que levavam as cabeleiras postiças das mães a cheirar a
naftalina e os robes das sopeiras a Lavanda. O Teta foi no segundo dia com um bilhete made in Luz, mas não o usou porque entrou no meio de uma molhada que levou os soldados atrás. Mas antes disso já tinha sido vítima de um arrastão no Cais do Sodré, quando desconhecidos assaltaram a caixa de bolos no momento em que se preparava para os comer. Nas memórias destes Meninos da Luz, o 41,o 75, o 78, o 136, o 315, o 332, o 425, o 472 o 496, ficou a imagem do Peter Gabriel a iniciar o concerto
com uma camisola branca e um blusão de cabedal preto, no meio de um cenário com
luzes, efeitos visuais e pirotécnicos, imagens projectadas de slides, que
chegaram aos mil, tudo isto mergulhados numa atmosfera que os deixou a cheirar
a “Axe” durante os dias seguintes, e com os bolsos cheios de escudos, muitos
deles derretidos horas depois na noite louca e revolucionária vila de Cascais. Tocaram integralmente o The Lamb Lies Down on Broadway e os dois encores foram o Watcher of the Skies e o Musical Box do álbum Foxtrot. Regressaram calmamente ao Colégio Militar às quatro horas da manhã!
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