Comandante Guélas
Série Colégio Militar
- Vamos a acordar, a alvorada já
tocou há muito tempo, vão lavar essas fuças ramelosas, - gritou o Búfalo,
mostrando o dente de ouro, numa cara de suíno.
Este capitão, temido por todos,
teve o seu equivalente nos anos setenta, o tenente Aparício. A água que saia
das torneiras manteve-se na mesma temperatura, gelada, porque só assim, diziam,
é que a rapaziada ficaria rija. O batalhão colegial era composto por 450 alunos
e 7 companhias, tendo como diretor o Catita, e neste dia uma das aulas de
português estava a ser ministrada por um professor baixote e barrigudo, o
temido capitão Belisário. A turma de ratas acabara de receber uma tarefa, cada
um tinha de escrever uma carta para a família.
- Quero textos com pés e cabeça.
Como é o primeiro teste, só dou notas entre oito e doze valores.
O silêncio imperava na sala, o
oficial deslizava pelo espaço atento ao trabalho dos alunos. Quarenta e cinco
minutos depois a corneta tocou a dar por encerrado os trabalhos. No dia
seguinte tiveram nova dose de língua pátria, e após os procedimentos militares
normais, o professor deu ordem para se sentarem, colocando de seguida o molho
dos exercícios feitos no dia anterior.
- Entrega e correção das cartas
para os papás, - disse com o sotaque transmontano.
As notas situaram-se como
prometera, entre os 8 valores e os 12, com excepção do Gordo, que apanhou
cinco:
- O meu capitão disse que não
dava menos de oito, - reagiu.
- Olha meu rapaz, não há regra
sem excepção!
Na Ginástica o Fu Manchu, esperava
que a turma ficasse completa para poder iniciar a aula:
- Dá lixenxa, meu capitão ? –
Pediu um aluno imitando o sotaque beirão do professor.
- Dou, xim xenhor, - respondeu o
docente, presenteando o galante com duas soberbas estaladas.
O AP, professor de matemática,
que alternava entre a depressão e a euforia, refletindo-se isso nas notas,
distribuía positivas a todos, comportamento recorrente sempre que serviam lulas
guisadas ao almoço.
Já nesta altura havia mitos, e um
deles dizia respeito a um graduado do passado, o Selvagem, que tinha como
firmeza predileta pendurar os ratas com uma corda, pelos pés, no galho de uma
determinada árvore, caso o tempo estivesse bom, pois nos dias de chuva os
contemplados eram obrigados a estar com os braços abertos lateralmente, com
compassos abertos entre as axilas e o tronco, e dicionários nas mãos. Nos
estudos os regentes usavam os mesmos métodos pedagógicos que os seus colegas
dos anos setenta, o Lêndea iria ter um sucessor equivalente, o Ferrari, pois o
seu castigo consistia em torcer a orelha do aluno prevaricador lentamente; ao
Bêbado, que usava o ponteiro de madeira para martelar as cabeças ou as costas,
o que tivesse mais à mão, antecedera o Santola e a sua temida régua de metro e
meio, ao mesmo tempo que insultavam e ameaçavam os desordeiros. O herói predileto
de 34 era o Texas-Jack, enquanto que
nos anos 70 reinava o major Alvega
durante o dia, e a Gina à noite.
Comum às duas gerações era o ex palácio do Conde de Mesquitela, a Enfermaria, e
em ambas existia um enfermeiro com o nome de Valentim!
Na última formatura do dia, a
seguir ao jantar, o Comandante de Companhia leu a ordem de serviço, começando
pela frase do costume:
- Determino e mando publicar –
começando por referir a punição em dez dias de prisão de um soldado em serviço
na quinta “por ter sido encontrado pelo sargento da ronda a cometer actos
ilícitos em cima de uma vaca”.
O que de mais semelhante havia nos
anos setenta, dizia respeito ao pessoal que ficava no colégio aos
fins-de-semana e divertia-se a atirar clorofórmio para cima das galinhas, que
caiam redondas, nunca se sabendo se lhes aconteceu o mesmo que à ruminante. Finda
a leitura, ficaram a saber que o tempo de recreio até ao toque de recolher iria
ser preenchido com uma firmeza: “Puxar à Nora”. A companhia recebeu de imediato
ordem para marchar à roda do geral, cujas cadências foram sendo alternadas,
entre o ”em frente marche” e o “passo de corrida em frente marche”.
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