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315 estórias

Saturday, July 07, 2012

O dia em que o Colégio Militar mudou


Comandante Guélas

Série Colégio Militar




O Semita, senhor de um belo nariz, voz rouca e cabelo amarelado, jogava tranquilamente uma partida de xadrez na sala de professores, quando:
- Senhor engenheiro, não jogue assim, porque senão ganha-me, - disse, já um pouco exaltado.
- Mas eu jogo mesmo para ganhar! – Retorquiu o engenheiro Casanova.
Não era esta a resposta que o professor de Física e Química, que obrigava os alunos a decorarem a Tabela Periódica e as Leis de Kirchoff, nem que fosse com a ajuda pedagógica do ponteiro, desejava ouvir. O seu pensamento estava agora a caminho do centro da noite, rodeado por um nevoeiro espesso, tentando encontrar um interruptor que acendesse uma luz. Mas a jogada do adversário precipitou as coisas:
- Xeque ao rei!
Com a mão esquerda o engenheiro Grijó, que era senhor de um grande livro de exercícios resolvidos que nunca ninguém conseguira deitar a mão, virou as peças do tabuleiro e retaliou:
- Ainda se lembra da jogada?
Não muito longe dali o padre Miguel dava largas à imaginação, contando uma história surreal, quando reparou que toda a turma acabara de arregaçar as calças, sinal de que  estava a “meter água”. Resolveu a situação com várias chapadas nos da fila da frente. Mas a atenção de todos foi desviada com o barulho ensurdecedor de vários chutos na porta, e alguém a gritar do lado de fora:
- Ó Carioca tira a mão da minhoca!
A risota foi geral, e a aula ficou por ali, porque o professor precipitou-se para a porta e desapareceu em sprint lá para os lados das companhias.
A semana tinha sido difícil, a cerimónia oficial no campo de futebol de 11 fora de loucos, o batalhão permanecera várias horas formado debaixo de um sol abrasador, e recebia ordens – “firme – siope (sentido) – ombro arma – apresentar arma (e engatava o cão no cinto para aliviar o peso) – descansar arma – à vontade” - de cada vez que aparecia um general ou brigadeiro, uma autêntica praga de estrelas que parecia não ter fim.
- Vou desmaiar, - disse a uma dada altura o Horrível (125), já farto de estar na formatura.
Caiu controlado, pois à sua frente estava o punhal, e foi imediatamente auxiliado pelos colegas (“Um por todos, todos por um”), que largaram as Mannlicher e aproveitaram a boleia para irem beber água debaixo das sombras dos eucaliptos. A moda pegou e só o Paleta (413) conseguiu estancar a hemorragia, ameaçando com vários meses de “apresentações à alvorada” e uma “firmeza” digna de registo.
Mas em 1977 deu-se um acontecimento que teve maior impacto na vida do colégio do que a revolução três anos antes, altura em que o padre Vladimiro disse à turma do Pláni, “cuidado jovens, cuidado pois estão uns homens maus a atacar Lisboa”. O inimigo chegou sobre a forma de um telefone vermelho no Corpo de Alunos, e acabou com o mítico internato de domingo à noite até sábado à tarde, acrescentado para uns com fins-de-semana de detenção. Estava aberta uma brecha nos muros altos! Os Meninos da Luz passaram a ter acesso a um telefone que os punha diretamente em contacto com o exterior. Logo ali se formou uma estranha movimentação. Os melhores clientes eram os “ratas” (alunos mais novos), ou melhor, aqueles que conseguiam meter as moedas antes de serem emboscados pelos mais velhos. Eram detentores de carteiras recheadas, e obrigados pelas mães a fazerem o relatório diário da estadia no colégio com que as progenitoras tentavam impressionar as amigas como sendo “só para a elite”, mas de quem iam logo fazer queixa, caso os seus bebes comessem um calduço, em vez de um “danoninho”! Quem detinha o poder de falar eram os graduados, os do topo da hierarquia, que ficavam horas ao telefone com moedas alheias. E foi numa destas ocasiões que, com a língua a arrastar pelo chão, um artista anunciou que ia ligar à “namorada”, e a conversa libidinosa prolongou-se para além do recolher. Já no fim virou o telefone ao contrário, para ver se conseguia recuperar alguma moeda que lhe desse acesso a mais uns minutos de prazer. Mas um dia o telefone vermelho serviu para pôr o Colégio Militar em alerta máximo, depois de alguém ter telefonado para a avó do Boinga a ameaçar raptar o seu bambizinho. O pânico da senhora foi tal, que esteve todo o dia a ligar para o Diretor e o Subdiretor.
 E como a necessidade faz o engenho, alguém descobriu que, enfiando uma faca na ranhura, o crédito tornava-se ilimitado. Mas num colégio de excessos que formava homens para a vida toda, um dia um aluno enterrou tão fundo o seu instrumento, que ele ficou lá colado, só tendo sido solto com a ajuda dum técnico dos TLP. 










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