Camarada Choco
Aventura 87
O nome do projecto metia respeito, mas nada indicava que se destinava a Desaparafusados. E a mítica equipa dos “Tubarões do Seixo”, cujo “i” era de uso obrigatório de cada vez que saíam para o exterior, não fosse alguma tia considerar tal nome uma afronta aos grogues de todo o mundo, há muito que já estavam a preparar-se para o derby. A fama era tal, que até jogadores de outros estabelecimentos para desaparafusados tinham abdicado das suas equipas de coxos, e preparavam-se agora para dar o seu contributo aos “Tubarões do Sexo”, perdão, falta o “i”, “Tubarões do Seixo”. O pai do Samecas não o queria deixar ir, porque da última vez regressara a casa sem parte substancial dos dentes da frente após um sprint fabuloso, que lhe deu entrada direta na “Caderneta dos Grogues”, que só terminou no poste da baliza adversária. A visão traíra-o! Mas o Samecas insistia em mostrar ao seleccionador a sua excelente forma física, com constantes flexões e acelerações, que passavam razias aos cantos e aos colegas.
- Se perdes peças outra vez, o teu pai inscreve-te no Grupo de Zombies do Vira-Bicos, e penduras as botas para sempre, - avisou-o o Stor Pobre, dando-lhe um majestoso empurrão, para testar o equilíbrio, argumento a que o progenitor se agarrava agora para não o deixar ir.
Mas como tudo era tática, estes apertões eram feitos na presença de todos, para assim servirem de apoio ao campeão, que nunca se estatelava. E a opinião de todos acabou por ser diferente da do pai, e assim o mítico “69” teve autorização para fazer parte da selecção da Escola Para Desaparafusados da Venteira, e rumar em direcção ao colégio com nome de descobridor. Mas um problema grave estava a afetar a moral da equipa: o estado lastimoso do Cristiano Ranhocas, o fabuloso Choco, cuja mãe se tinha enganado na medicação, e passara o mês a dar-lhe dois comprimidos SOS por dia.
- Um de vez enquanto, e só se ele lhe atirar um móvel mexicano para cima. É dose de elefante, - advertira o médico dois meses antes. – E se for tomado em excesso queima-lhe o resto dos fusíveis, e depois nem a Proteção Civil lhe vale!
O ponta-de-lança, que iniciara a carreira futebolística no século anterior, e fora inteiramente moldado pelo seu padrinho Stor Pobre, arrastava-se agora pelos corredores, com a língua a deixar rasto no chão como o caracol, e um olhar sensual.
- Vai, e ponto final, - disse o treinador, contrariando a opinião generalizada de que ele estaria possivelmente mais para lá do que para cá.
A novidade na selecção era o regresso do velho Kodac, agora um trabalhador incansável no bar dos médicos do hospital da zona, responsável pela limpeza dos cinzeiros clandestinos, que ele também ajudava a encher, e pelo esvaziamento dos restos das bejecas que forravam os fundos das garrafas que tinham de ir vazias para o vidrão. A justificação encontrada para a ausência ao trabalho da quarta-feira seguinte, foi a excecionalidade do evento, e uma forma de compensar tão empenhado trabalhador. E tudo isto saiu da cabeça da Dona Espatinha, após uma insistência permanente do padrinho de todos eles. A frente de ataque estava decidida: um Leitão que só carburava com doses maciças de nicotina, um Míope com queda para a travadinha e um Zombie! O meio-campo também era de sonho. Decidiu-se por um atleta em formato de Buldózer, o Gorilão, que só costumava parar quando o adversário ficava reduzido a um grafitti ou o mister ameaçava cortar no empadão do almoço. Na ala esquerda estava o coxo-mais-rápido-da-Brandoa, o Ládi Manquê, poeta nas horas vagas, e carregador oficial da mochila do velho Stor Pobre. A baliza estava entregue a um estrangeiro, o Moreira, um ex-rival do clube de Oeiras.
- O tamanho da equipa dos “Tubarões do Seixo” é decidido pelo treinador, pois todos sabem que é a única que possui regras próprias de funcionamento.
Foram escolhidos dois para a defesa, o Castelinho, que tinha mais perfil para rendas e bordados, e preferiu ficar no banco no papel de enfermeira, e a Chinesa Queque, cuja experiência em jogos viris se reduzia à tentativa diária de violação do Ládi Manquê.
O dia D chegou, e quando a primeira equipa adversária apareceu, o Stor Pobre apercebeu-se que eles eram aqueles chicos espertos que sabiam qual a baliza onde deveriam marcar golos, e eram exímios em passar a bola. Alteração de tática, tudo o que era Desaparafusado na assistência foi mobilizado, e obrigado a dar o seu contributo para a vitória dos “Tubarões do Seixo”, o único team que condensava em si todos os golos do encontro. Iniciou-se assim a partida com vinte contra cinco! A primeira interrupção do encontro aconteceu quando o Choco resolveu estacionar-se dentro da baliza adversária, impossibilitando o guarda-redes de defender essa metade.
- É a zona indicada no plano de jogo, - esclareceu o seu treinador, lembrando que “fora” era só para os outros, e quando ele indicasse ao árbitro, que também podia marcar golos pelos “Tubarões do Seixo”.
E quem não quisesse jogar nestas condições que fosse esgalhar para outra freguesia! A selecção de Futebol da Escola para Desaparafusados da Venteira, os míticos “Tubarões do Seixo”, regressou à base com uma taça nas mãos e a sensação de dever cumprido.
PS.: O Samecas mal entrou em jogo desequilibrou-se e caiu, conseguindo in extremis dar uma pirueta e cair de costas!
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