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315 estórias

Wednesday, February 16, 2011

O Cunhado do Choco (versão modificada)


Camarada Choco
O cunhado do Choco
 (versão modificada)
 Aventura 73
 
- Ôu er um é, é, - confidenciou a irmã do Choco, a Bélinha, no momento em que a mãe se preparava para apanhar um croquete que o Jardel, o único membro da família com os carretos no lugar, tinha largado à entrada do prédio.
A notícia desconcentrou a Dona Native, dadora dos genes riscados que os filhos ostentavam, e ela deixou fugir o guardanapo, enterrando os dedos no conteúdo intestinal do rafeiro.
- U ê? – Perguntou, reparando que a filha acariciava com ternura a barriga.
- Ôu ávrida do Árlos, - respondeu a Bélinha com um enorme sorriso.
- Tas ávrida do Senhor Pintor?
- Im!
A gravidez da Bélinha significava a perpetuação do reinado do cromossoma-coxo-dominante, herdeiro dum vasto império da Venteira, melhorado agora com um pincel de boa marca, que daria com toda a certeza lugar a uma brocha de cabeça larga. A emoção era tanta que depressa espalhou a notícia pelas redondezas.
- Ôu ser avó e sogra, e tudo graças ao Senhor Pintor, – confidenciou à Dona Palmira, proprietária do café mais chique da zona, cuja especialidade era o meio-gordo servido numa taça, ao mesmo tempo que o canídeo  forrava o tapete do estabelecimento com um brigadeiro.
- Ôu ávrida do Árlos, – repetiu a Bélinha.
A Dona Native era uma mãe orgulhosa, o seu filho tornara-se um violinista genial, sem coordenadas, depois do pai lhe ter oferecido uma guitarra sem cordas; e quando já desconfiava que a sua Bélinha tinha mais riscos na alma do que o irmão, eis que ela a surpreende com um netinho, e ainda por cima de um pintor libertino, em permanente crise existencial, senhor duma performance lendária, mas que ainda não tinha acertado contas com os seus próprios fantasmas.
Ao final da tarde rumou ao Centro de Saúde para dar a novidade:
- Dótóra, a minha filha está à espera de uma brocha de cabeça larga, – e apontou para a barriga da adolescente.
A médica já conhecia de ginjeira esta família governada por um pai com mão de alumínio, material com que fechava todas as varandas da região e arredores, que deixara a carreira escolar dos filhos se submeter à negligência e vontade da mulher. Foi por isso que o Camarada Choco conseguiu emancipar-se de maneira progressiva da sombra tutelar da mãe, e entrar em roda livre.
- A Bélinha está grávida?
- Im, im, tem o bucho eio com uma brocha de cabeça larga.
- E como é que sabe?
- Foi ela que disse! – Respondeu a Dona Native olhando para a médica com um ar de superioridade.
- E quem é o pai?
- O SENHOR PINTOR – respondeu, orgulhosa, em maiúsculas e a negrito.
Disse então à “Dótóra” que de início tinha ficado um pouco desconfiada pois não encontrara nas cuecas a cola pegajosa, a que chamou “mento”, produto exclusivamente masculino, mas a insistência da filha acabara por convencê-la de que ia ser avó. Contou então o sonho que tivera à tarde, ou talvez alucinação, fruto de alguma travadinha de que também sofria, onde via o Senhor Pintor a andar de baloiço com a sua Bélinha, enquanto ela segurava, toda babosa, um Choco de caracóis.
- A menina não está grávida, - disse a médica, abrindo a porta.
Cruzou-se na rua com um caniche, e foi esta a última lembrança que teve do netinho

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