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315 estórias

Sunday, January 10, 2010

O Voo do Cisne


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Comandante Guélas

Série Paço de Arcos
O motivo era forte porque no dia seguinte o Rui B tinha de apresentar-se, não na tropa, mas no altar. E sem falta! A despedida tinha de ser inesquecível, para que décadas depois ainda fosse relembrada, numa altura em que os membros do Gang dos Meninos Ricos e Caucasianos de Paço de Arcos (G.M.R.C.P.A.) fugissem destas recordações como o Diabo da Cruz, não fossem perder a autoridade sobre os filhos que eles querem agora que sejam doutores e engenheiros. Em vez de um bolo com velas, porque não se tratava de um aniversário, alugaram um soberbo Mini-Metro com 400 Km e foram testá-lo para a Quinta do Loureiro em Cascais, onde actualmente se ergue o “Cascais Vila”, em homenagem a estes seis aventureiros. Mas antes da acção os seis magníficos foram abastecer as barrigas, que ainda não mostravam sinais de gravidez, para o bar “O Cisne”. E eis que, depois de várias “loirinhas”, o Rui B desafiou os amigos com a pergunta que iria ficar para sempre nas suas memórias:
- Quem é que quer voar ?
- Voar?? – Interveio o único do gang com vocação jornalística.
- Voar num Mini-Metro, - respondeu o noivo.
E pegou de imediato numa caneta desenhando o plano de voo no tampo da mesa. Assim, explicou Tintim por Tintim aos cinco candidatos a aviador o que lhe ia na alma. Na Quinta do Loureiro havia um terreno baldio com três socalcos e a ideia consistia em acelerar a fundo o bólide, levantar voo no primeiro e aterrar para lá do terceiro. Simples, de fácil execução e sem riscos, pois a máquina não pertencia a nenhum deles. O desafio era tentador. Para co-piloto ofereceu-se o Bigornas, o Escoto levantou o braço para escrever a peça jornalística e como fotógrafo ficou o Zé. O Nuno M responsabilizou-se pela logística do “ground force” e pelo controle do “take-off” e o Miguel R pela confirmação do “landing”. A deslocação até ao local da acção foi feita em câmara lenta, não por se tratar de um filme, mas porque a cerveja já circulava em grandes quantidades por aqueles corpos ainda roliços. A máquina, que não tinha sido feita para voar, segundo constava no manual de instruções, foi colocada na linha de partida e todos se prepararam para o lançamento, não do “Vai e Vém”, mas só do “Vai”. O Escoto entrou para a rectaguarda, atrás do banco do piloto-noivo, mas teve de ficar dobrado, pois o carro não tinha sido desenhado para jovens arraçados de girafa. Ao seu lado estava o Zé Fotógrafo, resvés com o tejadilho, e com a máquina fotográfica pronta a registar para memória futura toda esta epopeia, não dos irmãos Wright pioneiros da aviação, mas dos futuros, e já célebres pelas secas que davam aos clientes no balcão da Jomarte, irmãos Cruz. À frente, no lugar do morto, sentou-se o Bigornas, cuja cabeça ocupava grande parte do tablier e tapava o ângulo de visão do mano. O Rui B rodou a chave e o motor começou a roncar. Mas ainda houve tempo para um brinde. O Bigornas atestou os “flutes” da Atlantis com Dom Perignom e todos rezaram para aterrarem em segurança e continuarem a beber na boda do dia seguinte. O Nuno M ergueu o copo e brindaram:
- À nossa saúde, que está garantida, e à vossa que está periclitante, - desejou o Miguel R.
- Vamos a isto, - gritou o jovem girafa. – Nem consigo mexer o pescoço.
Cada um ocupou o seu posto, o Rui B carregou com raiva no acelerador, o Nuno M ergueu o “flute” e de imediato baixou o braço com violência, dando início à grande aventura paço arcoense a seguir aos Descobrimentos. O Mini-Metro de propriedade indefinida, mas alugado a uma empresa com nome na praça, começou a rodar, de início com velocidade mais baixa que o triciclo do senhor João da Fruta, mas depois lá se aproximou da velocidade supersónica da “Deusa”, o soberbo Dyane do Mac Macléu Ferreira, mas nessa altura já estava junto à rampa de lançamento. O Escoto já tinha o pescoço a 180 graus, o Bigornas comprimia com a cabeça o mano no vidro de trás, e o dedo indicador da mão esquerda do Zé colara-se ao botão de disparo, inundando o interior com flashes ininterruptos, o que levou o piloto a gritar:
- Entrámos numa zona de turbulência.
As rodas largaram o chão, o segundo socalco foi sobrevoado, mas já o mesmo não aconteceu ao seguinte, pois o Mini-Metro “bateu inteirinho a meio” (palavras do noivo) e só parou quando deu de caras com um muro, que impediu que o voo se prolongasse para a Marginal. O embate foi tão violento que a mistura de cerveja e Dom Perignom dos passageiros saiu-lhes pelas orelhas e estatelou-se nos vidros da viatura, tornando ainda mais turva a visão do piloto, que teve dificuldades em parquear a viatura, deixando a incumbência entregue ao piloto automático. Deu-se um apagão em toda a tripulação. O primeiro a chegar ao local da colisão, não foi o que estava mais perto, o Miguel R, pois encontrava-se em estado de choque com a razia que o aeroplano lhe fizera, mas sim o mais afastado, o Nuno M, que no início conseguira chegar mais depressa ao primeiro socalco, conseguindo ainda ver o Escoto a dar uma volta de 360 graus com a cabeça. A caixa e a direcção do Mini-Metro alugado com 400 Km morreram ali mesmo, e a carcaça foi abandonada com a caixa do Dom Perignom e os flutes da Atlantis como testemunhas.


1 comment:

jose said...

Por sorte não chegou ao muro já não conseguia andar para lá chegar