O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Os Meninos da Luz investiram sempre diretamente nos extremos, por isso não roubavam,
“descaminhavam”, e neste espaço educativo cheio de pergaminhos era à grande e à
francesa. Por isso quando o gangue mais famoso dos anos setenta do século
passado entrou no bar dos oficiais para mais uma visita de cortesia e deu de
caras com outros intrusos ficaram escandalizados. E ainda por cima ambos tinham
entrado pelas janelas, vá-se lá saber porquê, porque um deles tinha a chave,
gamada há muito pelo Picanço durante as obras de renovação do espaço, antevendo
uma necessidade futura:
- Que ousadia é esta? - Gritou o 240,
o Al Capone lá do sítio. – Este território é exclusivamente nosso, a mercadoria
pertence-nos, não pode desaparecer tanta, vão gamar para outra freguesia, ou
sofrem aqui e agora uma firmeza.
A voz do Rita saiu da jugular,
sangrando com violência nua e crua, sem lamechices, acompanhado pelos seus
fiéis escudeiros Dáni e Cebola, em posse aristocrática e espiritual, num tom
que tanto servia para amedrontar ou para debitar um zacatraz estilo Adamastor,
exclusivo do bardo 69, o número mais vergonhoso do Colégio Militar, e único
aluno que marchava com os braços à altura dos ombros e os calcanhares a
castigar o alcatrão, mesmo sofrendo pontapés na peida dos camaradas da turma
como era habitual, tendo-se vingando mais tarde nas bifas e nas suecas de
Lagos. E continuou:
- As garrafas são exclusivamente
nossas, é delas que bebemos a cultura colegial que nos dá alento para mais
“descaminhamentos”, temos uma posição moral de ocupação.
- E nós, nem um Martini? – Desabafou o
27, sabendo que nada podiam fazer contra o Rita e os seus sicários.
Fez uma leitura rápida das expressões
insanas do 240, 360 e do 661 e apercebeu-se que tinham de reduzir-se a uma
passividade acrítica perante a superioridade dos camaradas, que acabavam de
declarar o estatuto de invadidos.
- Vocês limitem-se aos bolos do
Moreira, porque este é terreno sagrado, nem Deus entra.
E para manter a moral dos seus sicários elevada, o 240 fazia questão de os presentear todos os meses com botas topo de gama desviadas de um sótão num edifício vizinho dos claustros com vista para a Azinhaga da Luz, que mais tarde colapsaria durante uma fuga do Cebola (Camarada Choco & Comandante Guélas: Cebolada). O Gangue do Rita tinha urgência em “descaminhar”, porque esta atividade era, no fundo, o alicerce da vida cultural dos Meninos da Luz. A rapaziada tinha necessidade de estar sempre em movimento: dar biqueiros na porta da sala onde o Carioca ensaiava, para obrigar o padre a sair furioso em perseguição dos prevaricadores, decidido a fazer-lhes a folha; interromper a marmelada ao tenente Mota com a namorada no seu Toyota 1200 cor de diarreia; pendurarem-se no trator do pai da Rosa quando ia em direção ao picadeiro, para o obrigar a parar por excesso de gado; fazer emboscadas aos magalas que iam entregar os filetes no bar dos claustros; participar em atos de fé às obras primas feitas em cartolina no pavilhão de trabalhos manuais, sendo a mais famosa a Torre Eiffel do 69, que teve o mesmo destino da Catedral de Notre-Dame; ir “desencaminhar” clorofórmio ao Valentim para atirar sobre as galinhas do Nunes. E tantas, tantas outras atividades culturais que criaram uma dinâmica única que nos fez crescer e definiu aquilo que é, e sempre foi, a identidade do Colégio Militar.
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