O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
- Sua
Excelência meu capitão, dá licença que penetre?
O bigode do
Comandante da Terceira Companhia eriçou-se, sinal de que o pedido do Bomba H
entrara a seco, sem preliminares, na sua alma militarista. A primeira missão a
que se propôs foi acabar com uma tradição, o “descaminhamento dos alunos”, ou
seja, roubar à grande e à francesa, começando
pelos graduados ao domingo à noite junto à Enferma. Ao “descaminhamento”
estavam diretamente ligadas outras atividades extra-curriculares como as
firmezas, a banalidade do mal, às quais o capitão Caetano fechava muitas vezes
os olhos e assobiava para o lado quando era Oficial de Dia,
as apresentações à alvorada, missões impossíveis que invariavelmente levavam o
aluno a chegar tarde à formatura e a ser sujeito a outra tradição, levar nos
cornos em sentido, uma estalada ou um murro, consoante o grau de psicopatia do
graduado.
- Estão
proibidos os cadeados nos armários!
Como era de
prever, o índice de “descaminhamento” teve um aumento exponencial, assim como
outras atividades a ele ligadas. Foi a primeira fatwa do Capitão Caetano,
especialista em carolos e em inspecionar cabelos durante as formaturas que
antecediam as saídas ao fim-de-semana.
- O seu cabelo não está em condições, tem de ir
cortá-lo – disse, bloqueando o aceso do 280 à vitrine onde estava o cartão que
lhe permitia sair.
Mas o Comandante da Terceira Companhia tinha um
assunto mais premente a resolver nesse mês de fevereiro do ano de 1975, ler ao
encarregado de educação do aluno 191 o relatório dos incidentes ocorridos junto
à bomba de gasolina colegial entre uma administrativa achinesada, que resolvera
abastecer o carro, e a rapaziada duma turma do 4º ano instalada no 1º andar.
Atrás da porta dois dos arguidos ouviam atentamente a leitura do documento:
- … e o aluno 125 gritou “abre as pernas que eu vou
de cabeça”, ao que o colega 191 acrescentou “senhor soldado, não se engane no
buraco, olhe que é o do carro”, sendo imitado pelo 601 “não queres segurar na
minha mangueira” …
A investigação deu uns dias depois origem a um
primeiro Ofício Circular coletivo, “Encarrega-me Sua Exa. O Brigadeiro Director de
transcrever a V. Exa. O nº 1 do artº 10º da Ordem de Serviço Militar, nº 47,
que é do teor o seguinte: punições com 2 dias de suspensão, cada um dos alunos
da 3ª Companhia e do 4º Ano nºs: 157, 601 e 653, por no dia 30 de Janeiro de 1975
terem dito “palavras insultuosas para com um funcionário deste colégio, que
foram ouvidas por elementos militares e civis, que se encontravam no local de
abastecimento de gasolina”;
e a mais dois Ofícios Circulares personalizados com a data de 26 de fevereiro
de 1975, um para o Horrível, com três dias de suspensão que, com toda a certeza,
iria aproveitar as férias antecipadas para dar “8 de seguida sem ver a luz do
sol”, não fosse ele, segundo opinião própria, o maior fodilhão colegial; e outro para o Peidão, quatro dias, por ser
reincidente, já tinha ficado detido uns dias durante umas férias da Páscoa, uma
segunda pena para o mesmo crime, a primeira fora sumária, um enxerto monumental
à noite aplicado pelos psicopatas de serviço em frente à companhia, como jovem chefe
de turma despejara uns anos antes todo o óleo de fígado de bacalhau existente no
espaço sobre a cabeça do Stratopel, uma justiça que o diretor achara ser
exemplar, tendo reforçado a opinião mostrando aos encarregados de educação, que
o questionaram porque é que a excelência não considerava a tortura o
suficiente, uma moldura com um documento que o atestava como um ser justo, uma
espécie de rei Salomão dois em um. Mas voltemos ao início da estória com o
pedido do Bomba H:
- Meu capitão, dá licença que penetre?
O aluno sentiu de imediato o calor intenso que saia da alma do oficial, que se projetava em estilhaços por todas as direções, sentiu a fúria aterradora, tão poderosa que até a porta do gabinete tremeu. Como um astronauta na Lua em movimento rápido, correu para o corredor com saltos de gigante, não sem antes sentir a deslocação do ar da tentativa de abrunho do capitão Caetano, embrenhando-se pelo geral da Companhia com um superior raivoso no seu encalço.
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