Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Fomos radicalmente
influenciados pelo colégio, todos sabemos de que palavras e imagens se compõem
o pensamento de um Menino da Luz, a nossa formação moral foi criada por pessoas
que existem no nosso passado e que cabem no nosso presente. Não sabemos o que
agora vai acontecer, mas sabemos o que nos preocupa. Nas décadas de 60 e 70
dormíamos uma noite por semana em casa e seis no colégio, por isso as novas
gerações nunca compreenderão porque é que a Rosa foi a nossa ninfa, e em casos
agudos a Júlia, a mulher do Patronilha, ou a inesquecível Listete e a sua
fabulosa cabeça que faria a vez de uma qualquer almofada, a Cassilda, ou
a sensual coxa da biblioteca. Nos tempos que correm os ratas só
sabem adormecer com o barulho do silêncio, e não ao ritmo de uma desgarrada,
não de flatos, que isso é para meninos, mas sim de exuberantes peidos, dados
por jovens desaçaimados, com as barrigas cheias de Amarelo nº 2, em que a
maioria da camarata, um espaço a transbordar de vida, participava. Hoje em dia
até nas pinturas os pais estão presentes, muitos dos putos já vêm pintados de
casa com as cores recomendadas pelos dermatologistas, coisa inadmissível nas
décadas em que o Moca era rei, em que tínhamos o direito de sentir a tinta
plástica a impregnar-se na pele, o ardor da Colgate nos tomates, o frio dos
guaches naquelas escuras noites de invernos rigorosos, e os mais sortudos
sentir um pincel nº1 carregadinho de tinta plástica branca pelo cagueiro acima,
tradição que nos protegeu para sempre das alergias e outras maleitas da geração
que agora se tatua indiscriminadamente perante o olhar das mamas, que nessas
alturas estão estranhamente ausentes. Nos anos setenta elas só podiam entrar no
colégio nas comemorações do 1º de Dezembro, mas não saiam do primeiro andar dos
claustros, causando mesmo assim calores libidinosos aos jovens do rés-do-chão,
e muito menos interferir, como é habitual nestes estranhos tempos, em que já
foram vistas artistas a ir buscar os filhos às formaturas para os tirar dos
“malefícios” do sol. E também estão autorizadas a participar nos piqueniques
colegiais, em que só o Bolicao, já descascado, é permitido, em vez da lata de
atum, do cigarrinho e de umas cervejinhas adquiridas nas visitas de cortesia ao
bar de oficiais nos claustros ou à Soca. Seis dias ajudavam a criar
cumplicidades, amizades e camaradagem. Quem não se lembra dos concursos de
gosmas, que deram origem a fabulosas estalactites, capazes de competir mano a
mano com as colunas de Palmira, e que ficaram suspensas durante anos letivos
seguidos, cujo recorde saiu da boca do 224? Ou das esgalhações coletivas de
frangos durante as aulas do Pequito? Ou dos despiques de mergulhos para as
camas, de cima dos armários? E já nem na Instrução Militar os oficiais ousam
gritar como o tenente Silveira, “em sentido nem mexe, nem que passe um car…pela
boca”, um gordo de óculos, sempre com botas de montar, que nunca se soube se
para montar ou para ser montado, que costumava pagar jantares à rapaziada,
colocando-a em permanente estado de alerta, porque com toda a certeza que
estará uma mãe por perto que irá a correr para o “Livro Amarelo da Aberta e do
Alguidar”. E até com a ideia romântica de um “Túnel” a ligar às Meninas de
Odivelas conseguiram acabar, trazendo-as para um novo edifício junto à
rapaziada, já baptizado como a “Maternidade”. As saídas furtivas do 89, do 165
e do 376, de táxi (se a tradição se mantivesse os seus sucessores iriam de
Uber), em direção ao “El Tesón” não passam agora de lendas guardadas para
memória futura nestas pequenas estórias em que todos participámos, porque
vivemos num tempo em que as causas são discutidas e os efeitos parecem
imprevisíveis, que nos dá a sensação de saber tão pouco. Só com a evocação do passado
se pode assumir plenamente o futuro, por isso a parte do 4º E que não teve aula
do Semita neste dia 16 de Outubro de 1974 desembestou em direcção à piscina,
não sem antes ir arrumar os livros, um empecilho à brincadeira, à sala ocupada
pela outra metade com inglês, que estavam entretidos a expectorar,
alternadamente, para cima do 300. O 191 tocou com humildade à porta e mal ela
se abriu, entrou uma turbe desenfreada que em segundos fez o que tinha a fazer,
e saiu tal como entrou. Todos? Todos não, o 151 atrasou-se e teve de tocar
novamente. Mas quem correu foi o professor Mota, e para a porta, cujo corredor
esvaziou de imediato, não sem antes todos gritarem, “Didi, coça aqui”! A chuva
dos últimos dias tinha enchido parte do espaço dedicado à natação em junho, por
isso o 305 (Vinasse) foi de imediato atirado lá para dentro, ficando com a água
pelos joelhos. O 120 teve pior sorte, mesmo reclamando estar com uma bronquite,
a água chegou-lhe à cintura, por isso à noite estava fardado de pano porque
encontrara a rouparia fechada. O Colégio Militar era totalmente imprevisível, um andaime com rodas que servia para pintar o exterior da sala de música
durante o dia, serviu como sequeite durante parte da noite do dia 22, para o
125, o 136, o 151, o 157 e o 191. A brincadeira acabou abruptamente quando
chegou a vez do 151 e o arremessaram, com velocidade excessiva, em direcção ao
edifício em que o Carioca se esforçava por transformar canas rachadas em
rouxinóis, onde o aparelho se desintegrou, não sem antes rachar um vidro e
despedaçar outro, obrigando a rapaziada a uma fuga em direção ao geral, antes
que a ocorrência fosse relatada por um vigilante ao oficial de dia, o capitão
Peidinhas, senhor de um traseiro em forma de almofada.
No Colégio Militar sempre houve
portas que se fecharam para sempre e outras que se abriram em lugares
inesperados, por isso as
queixas futuras irão ser contra as utentes da Maternidade, quando elas lhes
invadirem as camaratas a meio da noite, e em vez de lhes darem almofadadas,
chocalham-lhes as pirocas!
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