Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Estas estórias pretendem ser uma marca da
eternidade do passado, uma emoção privada e intransmissível. Era dever dos
Meninos da Luz viver a vida intensamente, e por isso estarem mais expostos ao
complexo sistema da Teoria do Caos. Mal sabia o 147 que uma simples aventura de
adolescente rebarbado iria fazê-lo seguir o trilho da cultura e ser
contemplado, umas décadas depois, com o “Prémio Barretina”, por ter vencido na
vida a soprar com eloquência na sua gaita. Foi num mês de maio da década de
sessenta que resolveu alinhar com uns colegas numa visita de cortesia às
Meninas de Odivelas, deixando para trás o colégio de prevenção, com o oficial
de dia à sua espera, e a Deolinda, a diretora que proibira os espargos às
refeições porque dizia que despertavam a líbido das alunas, a rasgar o
protocolo de colaboração com os Meninos da Luz, degelo só conseguido quando o
Comandante de Batalhão, o nº 8, foi obrigado a ir pedir desculpa pelo
comportamento indecoroso dos seus camaradas:
- Prometo que nunca mais a intimidade deste local,
tão sagrado para nós, será violado pelos meus subordinados.
Foram oito anos de tréguas até que na véspera dum “Dia
da Raça” o 89, o 165 e o 376 entraram triunfalmente na alcofa das meninas,
assinaram as presenças nas paredes da piscina, no espaço onde os antepassados
também tinham deixado as suas marcas, apagadas com o acordo, e espalharam papéis com reivindicações
íntimas. Ninguém conseguia apagar o “ardor guerreiro” destes adolescentes com
os espargos incandescentes, até nos estudos havia um professor que se gabava
dos seus males de Vénus, depois de muito pressionado pelos discentes curiosos:
- Um esquenta e dos antigos, tive de levar umas
belas marteladas!
As estórias do Colégio Militar são para ser
mantidas debaixo de olho, o que elas são e o que elas têm para contar, mas
estão todas ancoradas em realidades provadas. Havia camaradas normalíssimos que
se transformavam em pessoas intoleráveis a partir do momento em que lhes davam
funções de comando, passando a ficar assombrados pela emanação de desejos recalcados.
E foi numa destas situações de possessão que o comandante do primeiro pelotão,
da primeira companhia, deu ordem de sentido a meio da noite, porque descobrira,
vá-se lá saber como, que o 45 se deitara com cuecas, um crime de lesa-pátria. E aproveitou a insónia para invocar o princípio
sagrado do “um por todos, todos por um”, estreando assim a camarata cheia de
ratas no enfardamento coletivo, atividade que iria tornar-se rotina durante
todo o percurso escolar. A única explicação possível, tirando o sadismo, seria levar
os noviços a descobrirem outra modalidade, o linchamento subsequente do Cuecas
de Buda! O Colégio Militar tinha um ambiente complicado, com as suas restrições
e uma autoridade que era exercida de uma forma muito rígida. Por isso o Morena antecipava-se
sempre aos colegas na aula de equitação, corria como um doido para o picadeiro,
para assim conseguir escolher o equino que lhe daria mais chances de sobrevivência:
- Senhor soldado, qual é o cavalo mais manso?
- É este, - respondeu, depois de ter dado um
valente murro no focinho do animal, que se manteve impávido e sereno.
A excursão a Elvas tinha sido alucinante, cada
Menino da Luz recebera uma nota de 20 escudos para decidir onde almoçaria, mas a certeza de
chegar vivo ao destino fora sempre uma incógnita, pois os alunos teimavam em
jogar um jogo perigoso, correrem ao mesmo tempo para um lado da camioneta, e
fazerem o mesmo para o outro lado, o que obrigou o motorista a comportar-se como
um autêntico homem do leme no meio de uma tempestade no Cabo Bojador. Só a
fadiga conseguiu acalmar a rapaziada, pois os gritos dos adultos eram música
para os petizes, que já tinham mudado para outra atividade mais pedagógica, encher os sacos das sandes
com os conteúdos das bexigas, e tentar acertar nos motoqueiros que iam sendo
ultrapassados, ganhando com isto parte do dinheiro que o colégio lhes dera para
o almoço. Uns iriam comer pastéis de bacalhau rançosos, enquanto os com mais
pontaria encheriam as barrigas com bitoques no Ricochete lá do sítio.
Um dia antes o 61 fizera queixa do Semita ao
Comandante do Corpo de alunos, por ele lhe ter partido na cabeça o ponteiro, que
deveria servir para apontar para a ardósia, mas cujo engenheiro Grijó, e muitos
outros, teimavam em usá-lo para disciplinar as ovelhas. Por isso o docente fora
chamado ao gabinete do major que o aconselhou a usar “a parte mais grossa, que
não se parte”! Quando se fala da formação ministrada no Colégio Militar
ouvem-se as conversas mais elitistas. Na aula debitava-se Francês, mas a atividade
principal era a esgalhação, com a maioria da turma de poulet na mão, a tentar chegar em primeiro lugar à meta, ao mesmo
tempo que o urubu do Pequito desesperava com o “Avoir” do Elefante, o único com as duas mãos em cima da mesa. Mas como a estória já vai longa, um último
apontamento. Duas horas depois de ter terminado uma sessão de cinema de uma
quinta-feira, destinada aos alunos mais velhos, “A Quadrilha Selvagem”, uma
escolha do padre Viana, que morreria mais tarde de ataque cardíaco dentro do
seu carro, um Citroen Dyane, mas que o 191 da 1ª companhia tinha conseguido ver
graças a um graduado amigo da 4ª companhia, o 592, candidato a namorado da sua
irmã mais velha, a 152 do Instituto de Odivelas, que o levara escondido, o rata
continuava a revolver-se na cama, sem conseguir dormir. A imagem da mulher em
topless dentro de uma pipa de vinho colara-se às cuecas, as mamas a girarem
silenciosamente e sem fim queimavam-lhe a cabecinha e expandiam-lhe o pescoço,
que parecia ir rebentar a qualquer momento. A transição das “Ginas” estáticas
para uma bronzeada sem freio nos dentes chegara abruptamente, sem aviso prévio.
Sentou-se na cama, com o rosto vermelho e suado, olhou em redor, ele sabia que
enquanto aquelas donzelas não o largassem, a insónia permaneceria. Quando
finalmente cerrou os olhos, e julgava-se longe do pecado, deu de caras com a
Rosa e sentiu a sua mão maliciosa.
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