Camarada Choco
Aventura 81
O dia era de festa, o glorioso ia jogar na catedral e o Fangio Espástico não queria perder pitada do evento, a começar pelo voo da Vitória, uma águia com dificuldades em aterrar sobre a pata direita. Por tudo isto justificava-se que entrasse com a cadeira diretamente pelos fundos da carrinha, gritando de imediato para o pai:
- oe o é no alarador, arálho!
Quando chegaram à Luz o lugar exclusivo para os Desaparafusados ainda estava vago, apesar dos gritos alucinantes e do fumo que saia do alguidar vermelho. A porta traseira da Renault abriu-se com estrondo, e o Fangio Espástico saiu em cavalinho e acelerou em direção ao inferno, deixando para trás o motorista. Chegou na altura em que a sombra da ave de rapina engolia a multidão.
- enfica ampeão – gritou, ao mesmo tempo que travou a fundo perto do limite da varanda destinada aos sócios com problemas nos carretos. – Amos encer, arálho!
O inferno tinha tomado conta do Estádio da Luz quando o pai do Fangio Espástico se juntou ao filho, depois de se cruzar com o segurança que um ano antes tinha gamado a foto do Mantorras autografada com um “x”, que fora oferecida ao filho.
- Trabalho aqui há vários anos e o raio do preto coxo nunca me deu um autógrafo, mas porque este só mexe os olhos dá-lhe um poster, e ainda por cima pede-me para entregá-lo ao Desaparafusado.
No exterior outro Desaparafusado tentava desesperado arrumar a viatura, mas não havia nenhum lugar VIP disponível. Até que descobriu uma oportunidade:
- Este Renault está com o desenho da cadeira caducado, - disse, com um sorriso solidário, carregando no botão com ligação direta ao 112.
Catorze minutos depois atendeu uma voz alterada, de alguém que não conseguira ver na televisão o golo do Benfica.
- A minha fralda está a transbordar, enviem imediatamente a polícia para o estádio do glorioso, - gritou o benfiquista Desaparafusado, ajeitando o rádio na orelha esquerda, uma vez que não tinha a direita.
O reboque chegou depressa e nem os apelos solidários de alguns Aparafusados demoveram o agente de fazer cumprir a lei. A carrinha do pai do Fangio Espástico deixou a Luz às cavalitas da autoridade, e o Desaparafusado queixoso, com o selo em dia, arrumou triunfante o “|Mata Velhos”, e saiu a correr em direção ao inferno, esquecendo-se da sua deficiência, mas não o local destinado aos da sua espécie, perto do relvado.
- etam o Antorras a ogar, arálho, - gritou o aluno com mais neurónios da Venteira, dando um chuto involuntário na cabeça de um anão que estava sentado num iogurte.
- Façam a vontade ao deficiente, - berrou o coxo do mata-velhos, dando uma palmada benfiquista no joystick da cadeira do Fangio Espástico, que avançou para cima do anão, que já tinha recuperado a anterior posição, ficando desta vez entalado dentro do frasco do "Danoninho".
Como se tornara um hábito o Glorioso chupou o tutano dos adversários e isto teve um efeito metafísico na assistência encarnada, Aparafusados e Desaparafusados: o coxo saltou de alegria durante alguns minutos, o treinador Jesus conseguiu discursar dez segundos sem dar um pontapé na gramática, o Fangio Espástico deixou de falar com a pronuncia “bolotas na boca” e conseguiu pronunciar na perfeição a sua palavra favorita, “Karalho”, e muitos outros “efeitos benfiquistas”. Mas algo não estava nos planos do nosso herói da Venteira: a ausência da carripana que o levara à festa! O pai já tinha sido posto ao corrente da situação, o “Correio da Manhã” vinha a caminho. O coxo do “Mata-Velhos” voltou a arrastar a perna e deu toda a sua solidariedade ao colega, lamentando não poder ficar na manifestação por impedimentos físicos, causados por falta de cevada nas veias. A câmara do jornal esteve grande parte da noite a disparar, e por momentos o Fangio Espástico já se via a caminho da série “Bolotas com Farinha”, destinada a adolescentes com carretos chamuscados. A buzina do carro do pai apagou-lhe a alucinação e ele saiu do Alguidar da Luz com mais palmas que o seu colega Mantorras!
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