Camarada Choco
Aventura 71
Aventura 71
Nenhum poder na Venteira, nem acima nem abaixo dele, pode desviar a vontade da Madrinha, quando ela aponta numa direcção. A tradição era para se cumprir, assim obrigava a Dra. Sem Canudo: o ofício com a data do jantar de Natal já tinha sido afixado no vidro dos Serviços Administrativos pela Fininha e as eternas zangas estavam suspensas, até à próxima convulsão da chefe…perdão, até ordens superiores! O Cabo Pilas ficou liso, imóvel e transparente quando soube que a festa tinha sido marcada para o dia vinte e dois, onde sete anos antes o destino o ia levando de encontro ao S. Pedro, tal como o George Clooney, mas fora devolvido com os caramelos espanhóis e tudo. E mais traumatizado ficara quando algum tempo antes o grilo do despertador tocara a anunciar a entrada na casa dos quarenta, precisamente quando estava na intimidade do lar a tentar tirar ranho-à-cobra …perdão…a fazer o TPC de Ráqui, tendo-se recusado de imediato a aceitar mais esta partida do destino. Por isso de cada vez que mandava a mensagem diária à musa inspiradora dos seus TPCs, assinava sempre no fim: “do seu admirador secreto, o 39 mais 1”. Mas esta história não diz respeito directamente a este fenómeno da Venteira, mas indirectamente, porque tem a haver com o seu irmão gémeo clandestino, o Petit Patapon, o único motorista da zona que guia em pé. E isto tudo devido à sua cara-metade, a Maga Patalógica, que resolveu comprar uma peça original para a sessão de “Troca de Prendas”, uma iniciativa da já lendária Dona Pilca, autora dos “Abafo Palhacinhos”, um sucesso comercial do século passado, que levara a Doutora sem canudo a trocar de carro…perdão…a comprar uma nova carrinha para os coitadinhos dos Desaparafusados. Os tempos eram de paz, de tolerância e por isso foi com ternura que a Dona Pilca recebeu o embrulho das mãos do Petit Patapon, carimbou-o e colocou-o no cesto das roscas, à espera da tão desejada meia-noite onde acontecia sempre um fenómeno igual ao da Cinderela.
- Que coisa tão pesada, - refilou, mudando logo para um sorriso Pepsodent, como mandava a ocasião. – Parece ser um sapatão.
- A minha dimensão não é proporcional às surpresas que dou, - exclamou o caga-tacos, irmão gémeo não oficial do mais famoso Cabo da Venteira, piscando o olho.
A prenda saiu a frio à Doutora Yogurte: uma soberba Lamparina!
- Meu Deus, uma “Lamparina dos Desejos”, - gritou com satisfação. – É desta que mando às urtigas a Dra. Sem…
- Não diga isso que hoje é pecado, - avisou a Dona Pilca, ao mesmo tempo que recebia de braços abertos mais um presunto…perdão, presente, desta feita da sua saudosa colega de trabalho, a Dona Piulia, continuando com voz delicodoce. – Estás maravilhosa, a “reforma compulsiva” está a fazer-te muito bem.
- Tenho três desejos, é só esgalhar a Lamparina, - disse a Dra. Yogurte à sua colega Raquete.
Deu um apertão tão forte, que de dentro do objecto saiu um som intenso, cheio de espíritos sem céu e sem terra, com muitos corpos e muitas almas, vindos de uma região povoada de sonhos, devaneios e ecos distantes.
- Epá, a feijoada que comeste estava com muito feijão, Yogurte, - retorquiu, escorreito, o Dr. Fininho, o senhor das verdades inconvenientes, que tinha vindo substituir a psicóloga sueca, vítima do Bicho da Fruta, balanceando com graça a taça de meio-gordo.
- Meu Deus, isto é um aviso dos céus, ontem sonhei que vários dos meus Desaparafusados tinham batido a bota, depois de lhes ter dado uma fatia de um dos semanais “Bolo de Baba” da Terapeuta Zézé, - gritou a Dra. Yogurte atirando a prenda do Petit Patapon para cima do colo da Piúlia, que já estava mais para lá do que para cá, depois de uma dança alucinada com o Padrinho do Choco.
Quando a “reformada compulsiva” tocou na lamparina esta acendeu-se como um isqueiro e o Nélinho aproveitou a chama para acender o dito cujo, acto considerado como de claríssimo pendor romântico pela ex-Senhora dos Bordados e das Pegas, que tirou a língua da boca e pousou-a com cuidado em cima da prenda da Dra. Yogurte, que estava a segurar a cabeça com as mãos. Mas como não podia dançar com a lamparina na mão, o açoriano poisou-a na mesa mais próxima, e ela ali ficou, mesmo quando a festa acabou. Já no exterior o que restava dos convidados foi confrontado pela dona do estabelecimento, que se recusava a ficar com aquela “Lanterna do Além”, acessório muito em voga nos cemitérios.
- Eu fico com a lamparina, pois já tenho cliente para ela, - disse o Senhor Pintor, pondo fim ao Jantar de Natal da Doutora Sem Canudo
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