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315 estórias

Wednesday, May 19, 2010

Eu Peidão me confesso!


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Comandante Guélas
Série Paço de Arcos

Como faço meio século de existência começo por explicar a origem do nome porque sou conhecido na gloriosa vila de Paço de Arcos: Peidão! E para baralhar as contas o nome nada tem a haver com o excesso de meteorismo intestinal, mas sim com uma questão de relações públicas. Esta alcunha ficou para sempre entranhada no meu já grande nome e uso-a como “cartão de visita”.
- Olá Janeca, daqui fala o Miguel, posso falar com o Rui? – Perguntei ao telefone, com uma voz suave e bem colocada.
- Miguel?? Miguel quê?
- Peidão! – Acrescentei.
- Já podias ter dito!
E a partir deste momento apercebi-me da grande importância do meu indicativo. A razão era simples, durante uns meses após ter feito onze anos mandava levar na “peida” todos aqueles que o chateavam, e tantas foram as vezes que acabou Peidão. O aluno 191 do Colégio Militar fazia agora parte daqueles que, além do número, também tinham uma identificação alternativa, com registo no livro de alcunhas da instituição, onde outras também se destacavam, como o “Cuecas de Buda”, o “Cu de Senhora”, o “Peidocueca”, o “Beduíno”, a “Judi”, o “Horrível”, o “Escalope”, o “Gordini”, e muitas, muitas mais. As novas gerações amaricaram e passaram para os “nick name”, como o “Solid Sonic”, o “Rickybaby”, o “Magnífico Repolho”….Quanto ao Peidão, agora um exemplar chefe de família, mantém-se firme e hirto como uma barra de ferro.
Quando se enamorou pela sua Aninhas, uma paixão bela, simples e frágil, primeiro só lhe disse o nome oficial, mas quando resolveu apresentá-la aos amigos não teve alternativa. No dia do casamento, quando entrou na igreja da Quinta da Granja em Sintra, para se dirigir ao altar, ponto de encontro que combinara com a sua Aninhas logo de manhã quando acordaram juntos na casa onde viviam, olhou para as galerias e deu de caras com os amigos que abriam e fechavam a boca, um coro que pronunciava o seu célebre nome. Felizmente a casa de Deus distorceu a letra e à plateia chegou uma “Ave Maria” em latim de Trajouce, que emocionou as beatas, atónitas com tantos “meninos de boas-famílias” reunidos ao mesmo tempo, num lugar sagrado. Deveriam com toda a certeza pertencer aos escuteiros de Paço de Arcos. A noiva, que já ia a meio caminho quando os anjinhos cantarolavam, foi entregue pelo pai e o padre, que também era um amigo e sabia de cor a letra, deu rapidamente inicio à cerimónia e ordenou ao casal que se ajoelhasse.
- O Peidão tem o preço dos sapatos nas solas, - gritou o Espalha.
O auto-colante mostrava ao público que as faluas do noivo eram made in Maconde, e que os números correspondiam de certeza ao preço mais baixo da loja, o que comprovava definitivamente a forretice compulsiva do jovem.
Desde muita tenra idade que a relação do Peidão com os números foi muito conflituosa , obrigando as professoras a trabalhos extras de reguadas que lá encarrilaram o petiz, mas não o endireitaram. Sobreviveu no sistema, no meio de Derivadas, Exponenciais, Logaritmos, Variáveis, e muita mais treta que não serviu, nem para ele, nem para a maioria dos amigos que escolheram a área de Ciências, uma vez que aqueles que agora acusam os filhos de nada fazerem, foram aqueles que no 5º ano do liceu se piraram para letras, intitulando-se agora os intelectuais de serviço. Nos curtos fim-de-semana em que via o filho, porque este andava no Colégio Militar onde entrava ao domingo à noite e só saia no sábado seguinte à tarde, o pai tentava-lhe dar explicações de matemática mas depressa desistia, obrigando-o a fazer os exercícios que ele tentara explicar. O Peidão queria era ir brincar com os amigos, mas sem o TPC correcto nem pensar. Pedia então ajuda aos céus para lhe iluminarem os neurónios, mas de lá nunca veio uma ajudinha, nem um simples raio de sol. Nunca soube se Deus não o ajudava por escrevia por linhas tortas, ou se também não percebia nada desta chata ciência dos homens. Sobrevivi!
Beijinhos a todos


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