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315 estórias

Wednesday, April 01, 2009

O “Caso Ramalho”








Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

Quando o Peidão entrou na praia de Carcavelos na sua Yamaha 50 Mini-Enduro, tirou o penico de aviador que levava na cabeça e foi de imediato chamado por um agente da GNR que estava junto ao restaurante “O Narciso”.  Resolveu não fugir, como habitualmente, e a atitude de cidadão exemplar custou-lhe um belo dia de praia. Esperava que os agentes da autoridade tivessem acordado com "bom-senso", mas enganou-se! Foi de imediato acusado de ter vindo de casa com a cabecinha ao léu e por isso, contra a corrente que grassava no país, iriam aplicar a lei. Mas não contavam com a reação do cidadão: trazia na carteira uma bomba atómica!
- Se este senhor pode andar à boleia numa mota da GNR sem capacete, eu também tenho esse direito, estamos em democracia.
A foto da revista foi aberta e ficou escancarada para os agentes da autoridade e para o povo, que normalmente nestas ocasiões festivas aparecia sempre de geração espontânea. O documento exclusivo do Peidão mostrava o Presidente da República, o Ramalho, a transgredir a lei, ainda por cima com a cumplicidade da GNR. O guarda ficou estático e sentiu o bafo do povo atrás de si, que se aproximara para ver a fotografia. Houve risos e comentários de reprovação, afinal tinham votado num fora-da-lei.
- Montagem, isso é uma montagem, - acusou o mais graduado. – Vou passar-lhe uma multa por difamação.
- “Difama” quê? – Perguntou o outro.
- Este cidadão está a insultar o Comandante Supremo da Nação - sentenciou, olhando de cima para baixo.
A assistência estava ao rubro, a autoridade já era confundida com os artistas do Circo Palitó. E tudo se agravou quando tentaram tomar posse administrativa do documento, que desapareceu no meio do povo
- Esse polícia que está na fotografia é falso,  – gritou um dos agentes, apontando um dedo acusador ao réu.
- Quantos são vocês na GNR? – Perguntou o caluniador do cidadão de nome Ramalho.
- Para aí uns quinze mil, – respondeu o agente, que era parecido com o famoso guarda Ricardo.
A risada foi geral, o povo aplaudiu o desempenho irrepreensível do pessoal do Circo Palitó.  A autoridade viu-se obrigada a tomar medidas. Definiu um perímetro de segurança, abriu o livro de instruções para multas rodoviárias, e depois de muito soletrar, “difamação” nem vê-la. Foi necessário contactar com a central.
- Alô, alô, aqui 24 chama a central, escuto.
Respondeu-lhe um ruído semelhante a um ressonar. Insistiu.
- Alô, alô, aqui 24 chama central, escuto.
Desta vez o ruído assemelhava-se ao de um balão a esvaziar. O povo tornou a aplaudir, a situação estava a ficar incontrolável.
- Temos de nos deslocar para uma zona mais aberta, - informou o chefe. – O senhor vai ter de nos acompanhar.
Uma BMW 750 à frente, uma Yamaha 50 Mini-Enduro no meio e outra BMW a fechar. Todos a 20 Km/hora, assim os obrigou o cidadão Peidão, alegando que a mota não dava mais. Os heróicos agentes da GNR foram obrigados a ir com as botas a arrastar pelo alcatrão, porque àquela velocidade tinham de ir em primeira e aos solavancos. Quanto ao povo, despediu-se acaloradamente dos animadores de praia.  A caravana parou na zona do Motel, junto a uma cabine telefónica. Mas surgiu um problema. O único que tinha trocos era o arguido, que não tencionava gastá-los com os agentes da autoridade. Até que surgiu, também de geração espontânea, um individuo numa Casal Boss 50, que se aproximou em alta velocidade, e rodeado de uma nuvem de fumo, do trio, identificando-se de imediato como agente da PSP de Oeiras. Foi posto ao corrente do crime e aproveitou para mostrar que era muito mau.
- Se quiserem tenho lá uma cela para ele, - gritou, atirando uma baforada de fumo contra aquele que ousara pôr em causa a honestidade do homem que enfrentara, uns meses antes, em posição de forcado em cima de um tejadilho de um carro, uma turbe de chaparros que disparava pistolas de fulminantes .
O reforço acabou por ser útil nos trocos. Quando a central foi posta ao corrente da situação, o cabo levou de imediato um cartão vermelho por andar armado em intelectual, e não se ter reduzido à sua condição de GNR com a 4ª classe. A infracção era por falta de penico e a multa era essa. O resto era estar a faltar às suas obrigações, que eram patrulhar a Costa do Estoril. Escusado será dizer que o papel unicamente serviu para o habitual, já que a partir de Junho só os otários pagavam as multas, como era tradição.

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