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315 estórias

Monday, April 20, 2009

Jogadores à beira de um ataque de nervos




Comandante Guélas

Série Paço de Arcos


A tradição cumpria-se com mais um jogo a chegar ao final sem a intervenção externa da campainha. Pela milésima vez o Chico tinha atingido a “redline” e queimara as juntas da cabeça, colando-se à sombra do Tio Fininho, que estava impecavelmente vestido com um equipamento preto de árbitro da “Sexta Divisão do Batatinha”, o célebre Abramobatata do campo de Vila Fria, vizinho da lixeira camarária. O estado de alma do Chico reflectia-se no fumo que lhe saia pelas orelhas e na cor avermelhada que lhe forrava a “fácies”. Estava próximo de um ataque de caspa! Ao longe o papá, impecavelmente vestido com um equipamento do Sporting, que incluía meias e chuteiras verdes do Quaresma, tentava trazer o filho para a realidade, sabendo de antemão que tal seria impossível, porque a gasolina que tinha bebido no Algarve quando foi ao gamanço com o amigo chinês, depois de terem demorado a noite toda a desmontar uma cadeira feita de tubo de plástico, entranhara-se nos genes, não havendo nada que conseguisse apagar o tal risco profundo que, em quase todos os jogos, colocava o pequeno-grande Chico à beira do precipício.
- Não lhe ligues, o Fininho é assim mesmo!
Mas nada demovia o colosso de estar colado à sombra do “tio”. O mal dele era ter ido para o curso de Logística da Escola Náutica. Desde esse momento o Tio Fininho tornara-se muito exigente com os estudos do “sobrinho emprestado”, um rapagão que trocara os livros pelos copos, fazendo-lhe interrogatórios massivos sobre o comportamento da “Carreira 22”. Pelo meio ia-lhe agradecendo os golos que teimavam em entrar na baliza da equipa de que o colosso fazia parte, tendo como companheiro o inebriante Milhas, que teimava em dar orientações tácticas desde que o apito assinalara o início da partida. E no calor da discussão ninguém se apercebeu da saída intempestiva do careca de meia-idade de nome Jorge, que tinha atingido o prazo de jogabilidade, em virtude de ter sido traído pela “claustrofobia por espaços vastos” que o impedia de respirar, compensando o défice com escarretas fininhas. Pelo meio o filho do Vaca Prenhe interrogava o Pequeno Polegar, de nome de guerra Biblot, sobre os motivos que o levavam a ir sempre disputar as bolas altas nas Grande Áreas. Mas o assunto da jornada era a grandiloquência do Chico, que teimava em Rosnar junto ao “tio”, enchendo-lhe o fatinho de perdigotos, e isto o jogador Fininho não tolerava:
- Não me diriges a palavra com a boca cheia de azeitonas, – indignou-se o jogador com equipamento de árbitro, apontando um indicador ameaçador ao “Colosso das Palmeiras”.
E nisto uma bola tresmalhada passou a rasar a cabeça do Milhas. Tinha sido o Rubi, que ainda não se apercebera que o jogo estava em “pausa”.

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