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315 estórias

Sunday, January 13, 2008

O Fugitivo

                          Camarada Choco


                                            Aventura 53


O dia do Juízo Final chegava solarengo, toda a Cooperativa estava em efervescência. O “Dia do Faz-de-Conta”, comemorado de Norte a Sul do país, mais conhecido como a “Festa do Natal”, estava programado para arrancar às 14H00 e representava o culminar de mais um ano civil de Reeducação, uma espécie de “Balanço Pedagógico”, para o qual todos tinham sido obrigados a participar. Davam-se os últimos retoques nos mongas, o Vira-Bicos, mais uma vez, olhava para os “números” dos outros como uma perda de tempo, querendo manter-se no top daqueles que conseguiam pôr uma plateia em sono profundo trinta segundos depois de chegar ao palco, e os “voluntariamente obrigados” rezavam para que o dia passasse depressa e que os seus entes queridos não aparecessem para os verem a fazer figuras tristes. O estranho “Espírito de Natal” era o responsável pela paz, podre, que se vivia desde manhã e pelo aparecimento, por geração espontânea, dos representantes do poder local e por outros “artistas” que, afinal, também se preocupavam muito com os Desaparafusados, principalmente no dia de cada mês em que pingavam nas suas contas os eurozitos para os “incluir” na casa dos outros.
Duas horas antes as carrinhas dirigiram-se, carregadinhas de “artistas”, sinal de que cada vez eram mais, tudo graças à tecnologia e aos remédios milagrosos que ousavam contrariar a Natureza, e torná-los, mais ano menos ano, numa classe maioritária e esclavagista, para o Cine-Teatro da Amadora. Os Aparafusados tinham de dar os últimos retoques e não os podiam largar, por isso ia tudo ao molho, e já sem Fé em Deus, para o último ensaio, dos que iam para o palco e dos que ficavam na assistência. Com um pouco de sorte metade adormeceria e acabariam por não chatearem. Afinal de contas, a festa não era para eles, tudo não passava de Aparafusados a fazerem figuras tristes para outros Aparafusados, tendo à mistura um ou outro Desaparafusado domesticado, para fazer género.
- Onde está o Fadista? – Perguntou de repente a Pirosa acordando com violência as colegas, que tinham adormecido com a seca que a Stora lhes dera.
- Eu vi-o hoje de manhã, - respondeu a Dona Piúlia, revelando a eficácia dos Tegretóis que andava a tomar, ao mesmo tempo que punha uma mão sofredora na barriga. – Eu juro que em 2008 vou pôr um ponto final nas “baixas”.
- Cruzei-me com ele ontem a caminho do “Bar Saco Azul”, - informou o Castanheira ao mesmo tempo que tentava ligar ao Primo do Choco, que tinha ido com o Porres aos Psicotécnicos obrigatórios para motoristas destravados.
O Fadista não constava na plateia, não estava a ocupar nenhum dos cagadoros da casa de espectáculos e no balcão só estavam os técnicos camarários com ares de mongas. O mais antigo e resistente Cliente (o nome agora politicamente correcto para mencionar “monga”, que pelo andar da carruagem futuramente talvez fosse substituído por “engenheiro”) , que ameaçava chegar aos 100 anos, a derreter-nos o dinheiro que tão esforçadamente descontávamos para os impostos, e enterrar-nos a todos pelo caminho, não constava na sala e deveria constar porque se esperavam os pais a qualquer momento e não era lá muito correcto informá-los de que se tinha ausentado para parte incerta. A comunidade de Aparafusados entrou toda em Alerta Vermelho, toda (?!), toda não, o irredutível Vira-Bicos estava mais preocupado com o seu fato de Undertaken do que com o fugitivo. Iniciou-se uma busca. Onde é que se teria metido o monga pitosga, que nunca largava o rebanho? Porque é que tinha dado o “grito do Ipiranga” antes da chegada dos papás? Revistou-se a Escola de alto a baixo, não fosse ter sido engolido pela praga de tampinhas de plástico que iam lentamente engolindo o espaço reeducativo. Pelo caminho contaram-se histórias de outros desaparecimentos semelhantes, como daquele que também se ausentara duma festa na margem sul e reaparecera dois dias depois na festa familiar de comemoração do seu desaparecimento e da vinda da respectiva indemnização.
- O show must go on, o Mocho não faz cá falta nenhuma. Vai-se à loja chinesa aqui da rua e há lá muitos iguais a ele, - disse o undertaken ensaiando um Ranjamba.
A Carris já estava parada, a Menina Tatrícia e a Dona Pilca tinham sequestrado um autocarro e só o deixavam continuar a viagem se os funcionários telefonassem para os colegas e inspeccionassem os restantes veículos.
- A esta hora já está nas Docas a tomar um copo, - disse a Tareca, a mais empenhada nas buscas.
- Raio do Mocho, tinha o dia todo de amanhã para desaparecer, - resmungou a Menina Tatrícia, enfiando no bucho uma bolinha de Berlim com creme, mantendo assim os níveis de Glicose necessários para a busca.
- Calma, calma, não quero que isto se transforme na anarquia habitual, - gritou o Nélinho, armado numa de “Sem Canudo”.
- Já largaram o Porres, ele tem um faro apurado, que é para compensar o lapso da perna.
- O quê, chumbaste? – Perguntou o Castanheira quando atendeu a chamada do Primo do Choco.
- Disseram-me que não bato bem da bola, acusaram-me de ter a junta da cabeça queimada, só porque lhes disse que andava a transportar cavalos. Eu tenho lá culpa que o Rodrigues me mije a carrinha todos os dias e que a Papoila me trinque os assentos, mesmo sem dentes. Mas o mais incrível é que o nosso colega Porres passou sem uma nódoa. Até apanhou a nota de “muito sensual” na prova do andar.
- Isso foi por causa de ter tido uma “Escola de Condução de Carroças”. Fez muitas amizades, tratou do exame por telefone.
- Bitó, Bitó, - dizia o fugitivo para o senhor Armando do quiosque.
- “Bitó”?!! Não conheço essa revista. Ó Virgínia, vem aqui para ver se percebes o que é que este chinoca quer. Já está aqui à meia-hora colado às revistas “Gina” e encheu-as de perdigotos.
- Bitó, Bitó, - insistia o Mocho.
- Tem cara de tarado, já lhe viste as lentes, parecem fundos de garrafa.
- Achas que é um pedófilo? – Perguntou a esposa do dono do quiosque, aproximando-se do estranho. – Tenta despistá-lo.
- Bitó, Bitó, - gritou alguém de longe, acenando com a mão.
- Outro?! Vem aí outro chinoca, mas parece ser pior, vê como ele tem um andar esquisito. Fecha a loja, senão eles ainda nos comem.
O encontro do Porres e do Mocho significou o retorno à calma de uma instituição à beira de um ataque de caspa. Fechados no quiosque, o senhor Armando e a dona Virgínia ouviam agora um estranho diálogo, que só podia significar uma coisa, o início da Guerra dos Mundos.
- Bitó, Bitó.
- Bitó, Bitó.
- E haviam logo de estar enterrados aqui, com tantas lixeiras…
- Parques, Armando, parques…
- …com tantos parques que tem a Porcalhota.

1 comment:

Anonymous said...

Divulgação

Um Blog ,dois livros!

www.camaradachoco.blogspot.com

“Camarada Choco”

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“Camarada Choco 2”
António Miguel Brochado de Miranda
Papiro Editora

Papelaria “Bulhosa” Oeiras Parque, Papelarias “Bulhosa”, FNAC ou www.livrosnet.com

Tema: Haverá uma fronteira entre os Aparafusados e os Desaparafusados?" Outra maneira de falar sobre o Ensino Especial.

Filmes de Apresentação no “Youtube” em “Camarada Choco”