Camarada Choco
Aventura 96
- Picha, Picha, -
gritou baixinho o Peter, enrolando mais uma vez a avantajada língua nas poucas
cordas vocais, que lhe alterava sempre o sentido das palavras.
Os gestos
acompanhavam o aviso do monga africano, e foi isso que chamou a atenção da
Menina Tatrícia. Atrás dela estava o encarregado de educação do Cuecas de Buda,
que teimava em não sair da sala, mesmo depois de ter entregue o seu herdeiro, e
de este já estar a esgalhar freneticamente as tampinhas das garrafas. Pai e
filho tinham sido vítimas de um ataque do Cupido, o júnior acabara de repelir a
aproximação da stora Mágui, que tentara dar-lhe os “bons-dias”, tendo recebido
como resposta “sai daqui, este já tem dono”, e a proprietária do seu coração
chamava-se Raquete, que tinha sempre uma cadeira vermelha cativa na entrada da
piscina, onde ninguém ousava sentar-se, porque ele já demonstrava estar
possuído por um reflexo, rosnar. Quanto a Menina Tatrícia fez uma
volta de 180 graus deu de caras com o espetro de um homem em sentido, que
mostrava sinais de vida. Longe dali desenrolava-se um drama, sentia-se um
cheiro, que não tinha origem, como era habitual, nos intestinos de um
Desaparafusado, era um odor a pólvora da vingança, vinha diretamente das
entranhas da cabeça de um Aparafusado:
- Gamaram-me a
coleira de cobre dos meus antepassados com a medalha da Santinha da Brandoa, -
gritou desesperado o Maneta, revirando a gaveta cheia de cuecas adaptadas a um
corpo já cheio de tempo. – Guardeio-o aqui quando chegámos, e queria agora
impressionar as terapeutas no jantar de despedida da colónia de férias.
Nunca a relação
entre Aparafusados e Desaparafusados estava tão tensa, a Doutora Sem Canudo
“enfiabrava”, “óvalhanosdeus”, sem apelo nem agravo, no lombo da Maria
Destravada, e esta respondia na mesma moeda, e tudo porque se tinham cruzado no
corredor do hotel, sinal de que ambas eram vítimas da tirania do “reflexo condicionado”
do maldito russo, que provocava uma barreira civilizacional, uma superioridade
moral. No hall reunia-se de emergência o conselho pedagógico, e os
interrogatórios apertavam:
- Eu nem dormi com
o velho dos pincéis, - respondeu o King Kong, - ele acusa-me de ter anõezinhos
mortos entre os dedos dos pés.
- Eu também não
dormi com o Maneta, - retorquiu o Ládi Manquê, o guarda redes dos “Tubarões do
Seixo”, a mítica equipa da Venteira cujo “i” caia sempre à entrada do clube. –
Perguntem ao Albertino, ele também tem a nossa cor, e ficou lá.
- Béfica, águe,
bariga, - disse com convicção quando a inquisidora o confrontou com o
desaparecimento da coleira do monitor.
- Merda, estou
farto do clube, - gritou o Castelinho, abandonando a comissão com os olhos a revirar.
Só o regresso da relíquia
ao respectivo pescoço poderia desfazer esta tragédia individual, cuja tristeza
caia na cabeça e nos ombros da vítima de bulling. A rapaziada tinha aproveitado
a higiene íntima daquele que se julgava chefe de quarto, e fizera uma festa
privada com a Santa da Brandoa que, findo o farrobadó, fora arremessada, sem
apelo nem agravo, pela janela, e lá permaneceu até ser encontrada pela força da
investigação.
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